domingo, 13 de março de 2005

Por que prefiro viajar sozinho

Sei que há muita gente gregária, que precisa ter alguém a seu lado a maior parte do tempo, gente que tem horror a ficar só consigo mesma, diante de seus próprios pensamentos.
Para estes, viajar tem que ser em grupo, comentando tudo o que vê com os outros. Sua viagem só tem valor se alguém mais estiver lá para testemunhar o fato. Suponho até que alguns fiquem desorientados ao se ver sós numa cidade estranha, sem ninguém para tomar a iniciativa de ir a algum lugar, fazer alguma coisa. Provavelmente correrão para o primeiro telefone que encontrarem e ligarão para casa.

Minhas melhores viagens foram aquelas que eu fiz sozinho. Eu fui aonde quis, na hora em que quis, para ver ou fazer o que quis, pelo tempo que quis. Foram as MINHAS viagens, não as viagens dos outros em que, por acaso, eu estava presente.

Quando tive que viajar acompanhado, meus interesses eram sempre considerados "uma chatice, não sei que graça você acha nisto, vamos embora!". E lá ia eu ver o que os outros queriam, em geral alguma bobagem tipo "armadilha para turista" ou comprar bugingangas ou "recuerdos" cafonas.

Se você está com pressa, os outros são moles, se você quer fazer as coisas com calma, os outros são uns apressadinhos que enjoam de qualquer coisa após 2 minutos.

Se você acorda na hora marcada, os outros só aparecem uma hora depois, na maior cara de pau. Se você quer dormir mais um pouco e acordar sem pressa, os outros se levantam de madrugada e lhe chamam de preguiçoso.
Na hora do café da manhã, eles insistem em que todos devem ficar juntos: se você come pouco, tem que esperar que os outros acabem de se empanturrar com tudo o que há no buffet. Se você quer saborear com calma, provar um pouco de cada coisa, os outros ficam lhe apressando.

E sorte sua se os quartos forem separados, porque seu companheiro de quarto necessariamente ronca. Se você gosta de dormir cedo, ele vai assistir a tudo o que é besteira na TV até de madrugada. Ou vai chegar tarde da noite, acender todas as luzes e fazer o máximo de barulho antes de se deitar - e começar a roncar.

Se é você que quer ficar até tarde vendo alguma coisa boa na TV, vai se sentir mal por estar incomodando o outro. Se você toma banho primeiro, ele vai ficar batendo na porta, impaciente. Se ele vai primeiro, você encontrará um banheiro alagado, com toalhas encharcadas no chão.

Você leva uma bagagem mínima e espalha o mínimo possível suas coisas pelo quarto. Ele leva malas e mais malas e ocupa todos os espaços disponíveis. Na hora de ir embora, sua mala fica pronta em minutos, enquanto ele perde um tempão para guardar tudo e procurar as coisas que esqueceu onde deixou.

Falando em malas, sua experiência lhe mostra que não é necessário levar muita coisa e que malas são difíceis de carregar em aeroportos, para dentro e fora de trens que estão sempre na outra plataforma e prestes a partir, para dentro e fora de táxis e hotéis. Mas vai acabar carregando as malas dos outros - ou fazer papel de antipático. E não apenas as malas, mas a cacarecada que os outros insistem em comprar, em geral coisas que existem pelo mesmo preço e até com melhor qualidade em casa (mas não são "importadas"...).

Se não conseguir se desvencilhar dos outros, vai passar a maior parte da viagem dentro de lojas, aguardando que eles se decidam entre várias coisas igualmente idiotas e desnecessárias, que eles estão comprando para eles e também por encomenda de toda a família e dos amigos. Aliás, nunca divulgue suas viagens, ou vai ter que perder seu tempo com encomendas em geral dificílimas de achar (e ai de você se comprar errado) ou, novamente, bancar o antipático.

Menos mal se você viaja com gente experiente, ainda que chata, caso contrário, prepare-se para micos e vexames, ainda mais se você tiver que bancar o tradutor a cada instante e não puder deixar a pessoa sozinha. Já viajei com gente que falava alto demais (tudo bem, se for na Itália), que insistia em fotografar outras pessoas dentro de restaurantes ou na rua, gostassem elas ou não, que parava em saídas de Metrô, deslumbrada com a vista, e começava a filmar tudo, ignorando o incômodo que causava à multidão que mantinha retida atrás de si.
Ou insistia em mostrar ao mundo "a incrível musicalidade do povo brasileiro", como diz o João Ubaldo Ribeiro, e queria se enturmar onde quer que chegasse, confiante em que sua condição de brasileiro o tornaria automaticamente simpático e benvindo.

Dica: se você é um destes chatos, dê preferência a gente idosa. São solitários em qualquer lugar do mundo e tendem a receber bem quem quer que lhes dê atenção.

Resultado: em vez de se divertir, você acabará trabalhando como babá de adultos, tradutor e carregador de malas dos outros, além de alvo de reclamações por suas "manias" e antipatizado por não se mostrar sempre feliz e radiante e tentar se afastar dos outros.

E, ao voltar para casa, os outros contarão histórias incríveis sobre as trapalhadas que você teria feito, suas esquisitices e seu mau humor. Ou, como já me aconteceu, anunciarão a todos que, graças a eles, aquela foi a melhor viagem que você já fez.

2 comentários:

  1. Putz!! Que texto, que crítica! Ri demais. É isso mesmo, e a gente ainda sai como o chato da história. É fogo!

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  2. O pior é que é tudo experiência própria :-(

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