domingo, 9 de outubro de 2005

Vender a alma a Deus ou ao Diabo?

Do ponto de vista moral, não há diferença entre se vender a alma ao diabo
e entregá-la a Jesus. Escolheremos a opção que resultar no maior benefício.
Para a maioria das pessoas, é claro, uma eternidade no céu mais que compensa
uma vida sofrida e sem graça, enquanto que os prazeres de uma curta vida não
compensam a eternidade no inferno.

Tudo se resume à escolha da opção mais vantajosa, não a de moral mais elevada.

Será que nos decidiríamos pelo caminho da ética se isto resultasse apenas na
satisfação do dever cumprido, enquanto que vender a alma ao diabo nos desse
uma eternidade de prazer?

A verdade é que assumimos que Deus é o padrão de moralidade absoluta, sem
termos nenhuma evidência disto. Se o que ele faz nos agrada, dizemos que ele
é bom. Se não nos agrada, assumimos que ele está certo, de um modo que não
podemos entender. Se um ônibus desgovernado se desvia no último instante,
poupa nossa família e mata outra, nós agradecemos a Deus enquanto os
sobreviventes da outra abaixam a cabeça em submissão a seus obscuros
desígnios.

Entretanto, se não sabemos por que Deus matou a outra família, também
não podemos ter a pretensão de saber por que ele poupou a nossa.
Não sabemos se ele é bom e justo, apenas queremos desesperadamente
acreditar nisto para que nosso sofrimento faça sentido.

Da mesma forma, se as formigas pudessem pensar, nos louvariam quando
deixássemos cair açúcar e aceitariam resignadas quando as exterminássemos
logo a seguir, talvez vendo no fato a justa punição por supostos pecados.
E elas saberiam tanto sobre nossos motivos quanto sabemos sobre os de
Deus. O Deus que nós mesmos criamos para tentar explicar um mundo que
não faz sentido

Por Fernando Silva, a partir de um comentário de Acauan dos Tupis

domingo, 14 de agosto de 2005

Refutando argumentos religiosos



"Liberdade é o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem ouvir"
George Orwell

No que eu creio:

Sou ateu. Não acredito na existência de Deus.
Deus pode existir ou não. Não posso provar nem que Deus existe nem que Deus não existe. Entretanto, na falta de evidências objetivas de que Deus exista, não vou acreditar nele. Deus pode até existir, mas eu não sei se ele existe, portanto não acredito em Deus. Não estou afirmando categoricamente que Deus não existe, mas apenas que não faz sentido falar em acreditar em algo se você não sabe ao certo se a coisa existe ou não. De certa forma, portanto, sou também um agnóstico.

Ao longo deste texto, usarei o termo "teísta" para aqueles que acreditam em um deus, ou deuses de qualquer tipo. Meu objetivo é ser genérico, sem abordar nenhuma religião em particular, mas apenas o conceito de deus (que é comum à maioria das religiões do mundo, com a notável exceção do budismo). Desta forma, vou me referir a deus como "ele", porque é tradicional, mesmo que não faça sentido atribuir um gênero a um ser supremo. Este texto está dividido em uma série de argumentos que me foram apresentados por amigos religiosos com os quais eu discuti suas crenças, seguidos da minha refutação.

Refutações:

1. Se Deus não existe, me prove.
2. Se Deus não criou o universo, de onde ele veio?
3. Se Deus não existe, por que tanta gente acredita nele? Como é possível que toda essa gente esteja errada?
4. Deus é tudo e tudo está em Deus.
5. Mas eu sinto Deus em mim e em tudo a meu redor.
6. E a alma? O que acontece à sua alma quando você morre?
7. Como você explica os milagres e todos esses fatos espantosos?
8. Sem religião e crença em Deus, o mundo seria uma anarquia.
9. Por que você faz isso? Por que não respeita a opinião dos outros?

Outros pontos a considerar:

1. O problema do mal.
2. A incompatibilidade entre os conceitos de destino, livre arbítrio e a omnisciência de Deus.
3. Deus pode mudar as leis da lógica? Deus pode fazer com que 2+2=5? Como se define a omnipotência?
4. Por que você acha que é especial?
5. Deus é definido antropomorficamente.
6. Suponhamos que Deus exista. E daí?

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Refutações:

1. Se Deus não existe, me prove.
Prova por eliminação - se você não pode provar que Deus não existe, então ele existe. Parece justo, mas é uma falácia. Da mesma forma, se eu não posso provar que os deuses das outras religiões não existem, então eles existem, assim como duendes, elfos e saci pererê.
Além disto, é impossível provar que Deus não existe se assumimos que Deus é omnisciente e omnipotente. Se eu encontrasse uma prova convincente de que Deus não existe, seria perfeitamente razoável um teísta me responder que Deus permitiu que eu encontrasse aquela prova (já que ele é omnipotente) para me testar.

O importante é que também não há uma prova de que ele exista. Na falta de prova positiva quanto à existência de algo, não se pode simplesmente assumir que deve existir alguma prova. Se eu lhe dissesse que a tela do computador em que você está lendo isto agora não é apenas uma tela, mas esconde uma câmera de vídeo para lhe espionar, você provavelmente não acreditaria. Com toda a razão, você me pediria provas, mas eu também poderia exigir, do mesmo modo, que você me provasse que a câmera não estava lá. Você, naturalmente, me diria que seu monitor parece normal. Eu diria que a câmera estava escondida. Você poderia então fazer uma série de testes científicos, desmontando o monitor e analisando seus componentes. E não acharia a câmera. Não faz diferença, eu diria. Você não pode achá-la porque ela foi tornada invisível e indetectável por uma tecnologia do século 29. Agora você não tem saída. Com esta minha resposta, você não tem como provar que seu monitor não esconde uma câmera disfarçada.

Os teístas defendem a existência de Deus exatamente assim. Se eu olho para o universo, eu não vejo Deus, só o universo. Você me diz que Deus está lá, mesmo que eu não possa vê-lo. Não há nenhum método científico para detectar a existência de Deus (equivalentes aos testes para detectar a presença da câmera de vídeo escondida), portanto eu continuarei sem acreditar em você. Entretanto, eu não posso refutar sua alegação simplesmente por causa do modo como você definiu Deus. Assim como não faz sentido você acreditar na câmera invisível, também não faz sentido eu acreditar em Deus.

2. Se Deus não criou o universo, de onde ele veio?
Eu não sei de onde veio o universo. Nem você, e daí a sua necessidade de atribuir sua criação a um deus. E eu então lhe pergunto: de onde veio Deus? Você, como teísta, me dirá que Deus não precisa ter sido criado, ele apenas existe. Para mim, entretanto, de um ponto de vista racional, isto só serve para complicar o problema desnecessariamente. Você não consegue explicar como o universo surgiu e então postula a existência de algo que o criou e que, por sua vez, você não sabe explicar. Isto poderia levar a uma série de deuses infinita, o que é um modo absurdo de lidar como o problema (além disso, não há nada a favor desta tese). Por que não admitir simplesmente que o universo não precisou ser criado em vez de empurrar o problema para um nível acima? Não faz sentido afirmar que tudo tem que ter um criador e depois, arbitrariamente, dizer que Deus é uma exceção a esta regra.

Se a pessoa não entende um problema e não tem informações em que se basear para opinar sobre o problema, então não faz sentido inventar uma teoria a respeito e simplesmente assumir que ela é válida até que alguém prove o contrário. A pessoa estará fingindo saber de algo que ela não sabe e perderá a motivação para estudar mais sobre o assunto. Se não sabe, não invente, pesquise. Se não quer pesquisar, diga apenas "Não sei".

3. Se Deus não existe, por que tanta gente acredita nele? Como é possível que toda essa gente esteja errada?
A maioria das pessoas acredita em Deus, é verdade. Mas por quê? Deixe-me inverter a questão. Por que você acredita em Deus? De onde vem sua crença?
Você nasceu com ela? Não.

Todo mundo, na prática, nasce ateu. Um bebê não sabe nada. Não tem nenhuma idéia de Deus, ou de sua mãe, ou mesmo do fato de que ele é uma criança. Conhecimento e consciência vêm com a experiência. As pessoas, em geral, recebem sua fé durante sua educação. Se isto não fosse verdade, os demógrafos (cientistas que estudam estatísticas populacionais) não seriam capazes de criar aqueles belos mapas coloridos que você vê nos atlas e livros de geografia mostrando a distribuição das religiões mundiais. A religião costuma ser ensinada nas escolas, a prática religiosa está firmemente entranhada nas sociedades e mesmo pessoas que não se consideram "religiosas", costumam admitir que há um deus, pelo menos no sentido de uma "realidade superior".

Não estou dizendo que todos os que acreditam em Deus são idiotas. A religião é um fenômeno social, e fenômenos sociais são muito difíceis de mudar. Vejamos um outro exemplo. Até recentemente, era universalmente aceito (em todas as culturas, embora algumas costumem negar isto) que homens são intelectualmente superiores às mulheres. Por toda a história, houve papéis masculinos e papéis femininos, e o papel do macho sempre foi dominante. Mesmo hoje, isto é a norma em muitos casos (quantos chefes de Estado são mulheres?). Para a maioria de nós, hoje em dia, esta atitude é, além de obviamente errada, estúpida. Usando-se o argumento de que, desde tempos imemoriais, o homem sempre acreditou em poderes superiores e que, portanto, tal poder DEVE existir, chega-se também à conclusão de que as mulheres são inferiores ao homem, já que sempre foi assim.

Mudar a atitude com relação às mulheres não tem sido fácil e o preconceito persiste, embora muito tenha sido feito nos últimos 2 séculos. Mudar a atitude com relação à religião também é muito difícil. As pessoas estão mudando, mas é um processo lento e uma luta constante.

Só para reforçar a tolice deste argumento, vamos considerar a idéia da Terra como o centro do universo. Os objetos celestes realmente parecem girar em torno dela. O trabalho conjunto de Copérnico, Kepler e Newton mostrou que é a Terra que gira em torno do Sol. Mas, mesmo assim, muitos não acreditaram. A Igreja Católica foi contra e mais tarde prendeu Galileu Galilei por defender essa teoria.

Levou muito tempo até que a crença na Terra como o centro do universo perdesse a força. E, contudo, seria ridículo dizer que todas essas pessoas eram idiotas. A sociedade e a sabedoria que se recebe dela têm enorme poder sobre o pensamento humano, especialmente no caso de pessoas com pouca instrução. É comum descobrir que, em sociedades religiosas, há mais ateus e agnósticos nos grupos com educação superior do que no resto da população. A ignorância produz certezas, o conhecimento crescente leva a dúvidas crescentes.

4. Deus é tudo e tudo está em Deus.
Este argumento não faz sentido. É uma tautologia, ou seja, apenas afirma que "tudo é tudo", só que usando mais palavras. Se você pensar bem a respeito, na verdade não significa nada, exceto que iguala Deus ao universo e já discutimos isto no início. Esta visão de Deus é conhecida como panteísmo.

5. Mas eu sinto Deus em mim e em tudo a meu redor.
Você pode sentir Deus, tudo bem, mas o que isto lhe diz sobre a realidade? Suas emoções não afetam a realidade externa e assumir que afetam é como se considerar o centro do universo. Como disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, "uma visita ao hospício mostra que a fé não prova nada". O fato de um esquizofrênico achar que todos querem matá-lo não prova que isto é verdade. E você é muito diferente de um esquizofrênico. Eles têm um desequilíbrio químico em seus cérebros que gera essas crenças estranhas. Entretanto, não há dois cérebros iguais e, de certa forma, poderíamos dizer que cada um de nós tem algum tipo de desequilíbrio. Sua fé, suas crenças e seus sentimentos têm a mesma validade como prova de coisas reais que no caso de um esquizofrênico.

Em segundo lugar, mesmo que você pudesse extrapolar a partir de suas experiências subjetivas sobre o que você sente que é a realidade, o que tornaria seus sentimentos sobre Deus mais válidos que os meus? Neste planeta, há muitos sentimentos diferentes sobre o que é Deus, o que invalida o argumento. Deus não pode ser, ao mesmo tempo, a realidade superior omnipresente de um panteísta, o velho barbudo das crianças cristãs e ainda não existir, como supõem os ateus e budistas. São idéias incompatíveis.

6. E a alma? O que acontece a sua alma quando você morre?
O que é "alma"? O que você entende por isto? A maioria das pessoas têm apenas uma idéia vaga do que ela seja, mas costumam usar a palavra para significar a personalidade humana. De onde vem a personalidade humana? Há consideráveis evidências indicando que ela seja uma propriedade do cérebro. Se você danifica uma área do cérebro, sua personalidade pode se alterar bastante. Quando você morre, o que acontece a seu cérebro? Ele apodrece ... o que é um dano considerável. Sem oxigênio, as células cerebrais morrem e os impulsos eletroquímicos entre elas, que constituem seus pensamentos, seus conhecimentos, suas memórias, suas emoções e sua personalidade, cessam de existir. Você não mais existe como "pessoa". E não sobra nada de sua "alma".

Em segundo lugar, se você acredita em uma alma imortal, o que se torma imortal? Já mostramos acima que aquilo que você é depende da configuração física de seu cérebro. Seus sentimentos, crenças, personalidade etc. deixam de existir após a morte. Há algum mecanismo que leve estes complexos atributos para o pós-vida? Qual é? Como alguém pode afirmar que uma coisa tão espantosa existe e não ser capaz de explicar como funciona ou provar que existe? Além disto, sua "alma" está sempre mudando durante a vida. Qual "alma" é preservada pela eternidade? A dos 6 anos? Dos 16? Dos 60? Ou o estado em que sua alma está quando você morre? E se você morrer esquizofrênico? Sua alma será esquizofrênica ou será o que era antes da doença? Você se torna uma pessoa diferente a cada momento.

Se a alma é algo mais que suas crenças, personalidade e sentimentos, o que você entende por "alma"? Crenças, personalidade e sentimentos são o que o torna um indivíduo único. Se é alguma outra coisa que é preservada, então sua individualidade não sobrevive, ela é apenas algo que é comum a todas as pessoas, uma espécie de "força vital", não sua "alma". Este conceito de "força vital" já está totalmente desacreditado, totalmente refutado pelos enormes avanços que a ciência fez durante o século XX. nos campos da biologia molecular e celular. E ainda há perguntas sem resposta, muitas das quais nem vêm à mente dos que acreditam num pós-vida. O que faz essa alma quando se torna eterna? O que significa ser eterno? Ela se reencarna? Se sim, quais aspectos da pessoa se reencarnam? Como afirmar que uma pessoa é a reencarnação de outra? Ou é apenas o karma, ou seja, os pesos relativos de suas boas e más ações, que passa de uma vida para a outra? Se você acredita que a alma se torna parte de Deus, o que isto realmente significa? Como é possível acreditar em um conceito tão complexo sem nenhuma evidência, sem se fazer todas estas perguntas?

A maioria das pessoas que acreditam em coisas assim em geral não tem a mínima idéia de seu significado. Em resumo, não faz sentido se preocupar com um pós-vida quando não sobra nada de nós para viver nessa outra dimensão. Ou se não há evidências de que ela exista.

7. Como você explica os milagres e todos esses fatos espantosos?
As pessoas passam a vida reparando em coincidências. São experiências incomuns e causam uma forte impressão, portanto as pessoas não as esquecem. Elas colecionam essas coincidências memoráveis por toda a vida e se esquecem de todas as vezes em que coisas espantosas não aconteceram. Quando essas coincidências são reunidas em livros sobre o sobrenatural, OVNIs etc., elas parecem ter um peso bastante convincente, mas É PRECISO levar também em conta todas as vezes em que coincidências não ocorreram. Coincidências podem acontecer por acaso. Além disto, muitas delas podem ser falsas. Infelizmente, as pessoas são muito crédulas. Há prêmios oferecidos para quem apresentar quaisquer evidências de fenômenos sobrenaturais, ainda que pequenos. Ninguém conseguiu provar nada, até hoje. A pergunta é: por quê? Por que será que nenhum místico, astrólogo ou vidente jamais conseguiu que suas habilidades fossem provadas pelos cientistas que se dedicam à parapsicologia? O interesse do público por este assunto é tão grande que qualquer comprovação se espalharia pela mídia como um incêndio.

Sorte e acaso são coisas espantosas e, às vezes, tão espantosas que é difícil para nós atribuir fatos estranhos ao simples acaso. Mas a natureza é aleatória, como postula o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Mesmo Albert Einstein, talvez um dos maiores cientistas que já viveu, passou a segunda metade de sua vida tentando refutar Heisenberg e quase todo o resto da Mecânica Quântica (o campo da física que descreve as interações de partículas muito pequenas), e disse que "Deus não joga dados". Acabou tendo que admitir que estava errado e aceitou as teorias. Se ele estava errado sobre isto, talvez estivesse errado também (e eu acho que estava) sobre a existência de Deus (N.T: ele próprio negou acreditar em Deus. Ou mudou de idéia ao longo da vida ou sua frase era apenas retórica).

8. Sem religião e crença em Deus, o mundo seria uma anarquia.
Uma afirmação interessante e frequente. O argumento contém sua própria refutação, pois implica em que a religião funciona como uma ferramenta de controle social. A desumanidade desta atitude foi condenada por Albert Einstein, cujas palavras se seguem:

"O comportamento ético de um homem deveria realmente se basear no respeito pelos outros, educação e laços sociais. Uma religião não é necessária. O homem seria bem limitado se tivesse que ser controlado pelo medo da punição e a esperança de recompensa após a morte".

A compaixão religiosa, se for motivada apenas pelas razões acima, não passa de uma forma hipócrita de egoísmo piedoso. Claro que isto nem sempre é o caso e há muita gente que ajuda os outros desinteressadamente, não por causa da religião mas devido à sua preocupação intrínseca com o bem estar dos outros.
Quantas pessoas foram mortas em nome da religião?

A idéia de que uma sociedade sem religião é uma sociedade perversa é ingênua e arrogante. Preocupar-se com outras pessoas, preocupar-se com todas as pessoas, simplesmente porque são humanas, sem esperar recompensa ou castigo, é que é a verdadeira virtude.
As religiões costumam incluir em seu "pacote" de preceitos as regras básicas de moral da sociedade que as pratica, e isto pode fazer diferença no caso de quem não tem nenhum padrão de moral, talvez por falta de uma educação adequada, mas também incutem nas pessoas um monte de conceitos errados. Uma educação adequada, por uma família normal, costuma fornecer uma base ética e moral para as pessoas, sendo a religião totalmente dispensável e às vezes até prejudicial.

9. Por que você faz isto? Por que não respeita a opinião dos outros?
Isto é muito simples de explicar: não se pode ter uma opinião subjetiva da realidade. A realidade ou é isto ou é aquilo. Deus existe ou não existe. A existência de uma coisa é uma questão de lógica, não de simpatia pela idéia de que ela exista. Não é um conceito subjetivo como "beleza". Cada um pode ter uma opinião diferente sobre o livro "Alice no País das Maravilhas", por exemplo, mas não pode haver opiniões diferentes sobre a existência do livro. Ou ele existe ou ele não existe, e só uma destas duas opiniões é válida. A questão da existência deste livro é fácil de resolver. A questão da existência de Deus é bem mais complicada.

Um outro ponto é que uma opinião não merece respeito só porque alguém a considera válida. A maioria das pessoas têm opiniões que elas receberam de outros e nunca questionaram a fundo. Este tipo de opinião não tem valor enquanto não for analisada e provada. Devemos aceitar a opinião de Hitler sobre os judeus apenas porque é a opinião dele?

Outros pontos a considerar

1. O problema do mal.
A maioria das pessoas religiosas acredita na existência do mal. Mesmo se você não acredita no mal, ainda há a questão do sofrimento
Um ponto central das crenças cristã, islâmica e judaica é que só há um deus. Ele é todo-poderoso, omnisciente e infinitamente bom. Se alguém sofre, então, como esse deus tão bom permite que o sofrimento continue? Se um ser humano tem os meios de ajudar alguém que está sofrendo e não o faz, não podemos dizer que ele é inteiramente bom.

Deus conhece o sofrimento de todos os seres humanos. Do sofrimento de uma criança vendida como escrava na África ao de um milionário morrendo de câncer num hospital particular de um país rico e o da mulher que apanha todos os dias de seu marido bêbado.

Ele sabe de tudo isto. Ele também sabe como acabar com esse sofrimento, já que ele sabe de tudo, e pode fazê-lo, já que é todo-poderoso. Se ele é infinitamente bom, ele deveria QUERER fazê-lo. Então, por que ele não faz?
Nenhum deus que permita tal sofrimento (e é claro que há sofrimentos ainda maiores que os citados), mesmo tendo a capacidade de acabar com ele, pode ser considerado bom. Deus, segundo esta análise, não atende nem aos mais básicos padrões de moral. A afirmação de que "Deus é onipotente. Deus é infinitamente bom. O mal existe" é logicamente contraditória.
Argumentar que "os caminhos de Deus são incompreensíveis" é apenas fugir da questão e assumir, convenientemente, que tudo se explicará um dia, de alguma forma.

Argumentar que a culpa é do próprio homem, que cometeu o "pecado original" e forçou Deus a expulsá-lo do Paraíso, implica em aceitar que:
-Adão e Eva existiram e comeram da Árvore do Bem e do Mal, o que, até prova em contrário, não passa de lenda.
-Adão e Eva foram castigados, embora, por mais que Deus os tivesse alertado, não tivessem malícia e não pudessem duvidar das palavras da serpente, uma criatura de Deus que vivia com eles no Paraíso.
-Temos livre arbítrio e podemos contrariar a vontade de Deus, o que nos leva ao item a seguir.

2. A incompatibilidade entre os conceitos de destino, livre arbítrio e a omnisciência de Deus.
As religiões ocidentais - islamismo, cristianismo, judaísmo - acreditam no conceito de julgamento. Quando nós morrermos, seremos julgados conforme nosso comportamento aqui na terra. Isto implica em que temos livre arbítrio, ou seja, Deus nos fez livres para tomarmos nossas próprias decisões, caso contrário, como ele poderia nos julgar? Só que isto levanta outro problema. Se Deus é omnisciente, ele sabe de tudo. Absolutamente tudo o que você já fez, está fazendo e vai fazer. De certa forma, você não tem vontade própria, já que, se Deus conhece o futuro, nada que você faça com seu "livre arbítrio" vai ter importância. O futuro está predeterminado porque Deus já o conhece. Ele criou o mundo deste jeito, já sabendo das consequências. Você não tem como surpreender a Deus fazendo diferente do que ele criou você para fazer. Para os teístas, portanto, resulta logicamente que tudo é determinado pelo "destino". A conclusão é que, se você não tem escolhas de verdade na vida, você não pode ser julgado pelo que fez.

Mais uma vez, temos que conviver com uma contradição. A omnisciência de Deus e o livre arbítrio humano são logicamente contraditórios. E, contudo, o teísta afirma que os dois são verdadeiros.

3. Deus pode mudar as leis da lógica? Deus pode fazer com que 2+2=5? Como se define a omnipotência?
Esta pergunta pode parecer tola, mas não é. 2+2 nunca poderão ser 5, a menos que você altere o sentido da palavra "cinco" para significar 4, mas, neste caso 2+2 ainda serão 4, só que você estará usando outro nome para 4. O nome que damos às coisas não modifica a realidade. Portanto, não basta dizer que Deus é omnipotente. Temos que dizer que é omnipotente mas limitado pelas leis da lógica. Portanto, a lógica é algo que Deus criou e a que agora tem que obedecer? Ou a lógica existe independentemente de Deus?

4. Por que você acha que é especial?
As pessoas em geral não percebem sua insignificância em relação ao universo. Você é apenas um entre mais de 6 bilhões de habitantes do planeta. O planeta terra é apenas um dos 9 planetas que orbitam o sol, por sua vez uma estrela de tamanho médio num dos braços da galáxia conhecida como Via Láctea. Nossa galáxia contém uns 200 bilhões de estrelas e também pulsares, buracos negros e muitos outros objetos espantosos. E o universo tem entre 100 e 200 bilhões de galáxias, com uma média de 100 bilhões de estrelas cada uma. Além disto, a cada momento novas estrelas se formam. O universo está continuamente se expandindo, desde o Big Bang.

Que importância nós temos? Por que a maioria das religiões assume que nós, neste planeta insignificante, uma espécie entre milhões, somos os escolhidos? E por que assumem que nós somos o ápice da evolução? Sim, podemos ser os organismos mais complexos neste planeta quanto ao cérebro e seu funcionamento, mas não os fisicamente mais aptos. E a evolução não parou. É um processo contínuo, embora esteja sendo influenciada pelo fato de que a humanidade tende a modificar o ambiente em vez de se adaptar a ele.

5. Deus é definido antropomorficamente.
De acordo com católicos, judeus e islâmicos, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. O que isto realmente significa? Existe realmente um Deus lá fora que é humanóide? E por quê? De que lhe serviriam olhos, ouvidos e nariz - órgãos sensoriais - se ele já sabe tudo? Deus tem apêndice? São perguntas infantis, claro, mas há algo mais sério que isto.

Supõe-se que Deus seja totalmente bom. Supõe-se que ele seja misericordioso, compassivo. Que perdoe. Mas o deus das religiões ocidentais exige louvor e adoração. Ele castiga os que "pecam". Visto assim, Deus é realmente antropomórfico. Bondade e compaixão são características humanas. Exigir adoração e castigar também são características humanas, só que não são louváveis, então por que seriam louváveis quando se trata de um deus?

O próprio fato de que descrevemos Deus antropomorficamente sugere que nós o criamos. Ou, pelo menos, que atribuímos a ele qualidades que ele não tem e não pode ter. Por exemplo: que ele é masculino, que ele se zanga, se arrepende, se entristece ou tem ciúmes.

6. Suponhamos que Deus exista. E daí?
Mesmo que aceitemos que existe um deus, continuaremos sem saber de onde veio o universo e por que ele é assim. Dizer que "Deus o criou" é uma alegação vaga, sem justificativas.

E por que Deus o criou? Com que finalidade? Para ter alguém que o amasse e louvasse? E por que um ser infinito precisaria disto? Por que um ser completo e infinito precisaria de alguma coisa? Como definir esse deus? Como reconhecê-lo se ele se apresentar a nós? Como distinguí-lo de um extraterrestre cujos poderes estão além de nossa compreensão?

Será que ele ainda existe? Será que ainda se preocupa conosco?
Devemos assumir que tudo o que ele faz é necessariamente bom, mesmo que não possamos entender, mesmo que não nos agrade, mesmo que nos pareça injusto? Talvez ele planeje nos eliminar um dia, sem deixar vestígios, sem irmos para o céu ou para o inferno. Quem somos nós para questioná-lo? Ou lhe dizer o que é justo ou injusto?

Será que somos tão importantes aos olhos dele quanto pensamos? E se formos apenas detalhes num universo criado para abrigar uma outra raça, a verdadeira raça escolhida? E se estivermos destinados a ser escravos desta raça? Ou servir de alimento a ela?

http://www.neurotoxic.pwp.blueyonder.co.uk/refutation.html
Email do autor: ninja@refutation.org.
Traduzido e adaptado por Fernando Silva (lochnar@ig.com.br)

sexta-feira, 24 de junho de 2005

Como debater com crentes?

O que fazer quando um teísta que não conhecemos nos enviar um email?

por Richard Carrier

Um guia básico

1) Responda sempre.

2) Se a mensagem for agressiva ou indecente, informe isto de forma resumida mas educada, e também que você não está interessado em conversar com uma pessoa tão grosseira ou imoral, senão você o denunciará ao provedor dele.

3) Se a mensagem for educada mas não fizer perguntas (ou seja, traz apenas afirmações, avisos, orações etc.), informe sucintamente e de forma educada porque você discorda ou diga que você já está satisfeito de ser o que é. Agradeça e encerre a conversa.

4) Se a mensagem for educada e também fizer uma pergunta, responda. Sua resposta deve ser sempre educada e sempre sem se desviar do assunto. Se houver várias perguntas, talvez o melhor a fazer é responder à que lhe pareça mais importante.
Não se esqueça de reler sua resposta antes de enviá-la, tendo em mente que você está representando a todos os ateus e livre-pensadores.
Ao reler, talvez você note que está sendo muito parcial, desonesto, grosseiro ou se julgando superior, ou com certezas demais (não se esqueça de que é sempre bom deixar um espaço para as dúvidas), ou qualquer outra coisa que transmita uma imagem negativa de nossa comunidade ou seja injusta para com outros livre-pensadores que discordam de nós. Reescreva o que for preciso.

5) Se você não tem tempo para responder, informe a ele. Sugira sites ou fóruns onde ele possa encontrar respostas e talvez gente que tenha tempo para conversar.

-Por que não simplesmente ignorá-los?

Eu pensava assim, também, até que comecei a entender melhor as outras pessoas. Você tem que ver a coisa como uma diferença psicológica, não como grosseria. Eu não vejo a "intromissão" deles como mal educada, mas como curiosidade ou uma busca de respostas, às vezes desesperada. Afinal de contas, se eu estivesse muito preocupado com um assunto ou muito curioso, e não tivesse outra opção, eu faria a mesma coisa.

É claro que eu conheço opções melhores, mas é de se esperar que muitos cristãos não estejam habituados a procurar respostas por si mesmos - se estivessem, muitos deles talvez não fossem mais cristãos. Se você não tiver tempo, mesmo assim mande uma resposta, informando educadamente que está sem tempo e indicando outras fontes de consulta na Internet, mas não seja rude. Isto só piora a imagem negativa que eles têm dos ateus e confirma o que eles já esperavam, causando ainda mais estrago. E você provavelmente não se sentirá bem por fazer isto com eles.

Podemos fazer muito para criar uma imagem positiva para os ateus, e isto começa quando melhoramos, cada um, a nossa própria imagem. É por isto que devemos, sempre, responder. Não responder permite que eles pensem o que quiserem. Não os estimulamos a pensar diferente. E, se estimularmos muitos deles a pensar diferente, mudanças significativas podem ocorrer. Eu sei que é possível, já vi acontecer. Cada um de nós é apenas um detalhe de um quadro maior, mas o quadro só vai se tornar mais positivo se cada um de nós fizer sua parte.

-Mas nós não invadimos a privacidade dos outros para ajudá-los a "enxergar a verdade"!

Não, mas isto não importa. Nós podemos pensar que somos melhores que eles em aspectos como educação, moralidade e bom senso (e às vezes até em bem estar espiritual), mas não precisamos ser arrogantes ou nos julgarmos superiores. Também não devemos cometer o erro que a comunidade científica lamenta até hoje: achar que se os ignorarmos, já que eles "não merecem" uma resposta, eles irão embora. O que ocorre é o oposto. O criacionismo científico conseguiu tantos seguidores justamente porque os cientistas não se "dignaram" a debater com eles, ou seja, deixaram que eles vencessem por WO. Não cometa o mesmo erro.
Tente usar psicologia: conforme eles mesmos dizem, eles talvez estejam "em busca da verdade", em de serem "crentes", mesmo se não é esta a primeira impressão que temos. Ou talvez, no fundo, tenham dúvidas, mas não admitem isto nem para eles mesmos e saem por aí proclamando certezas. Ou, quem sabe, ainda não tenham dúvidas, mas se, ao contrário do que eles esperavam, nossas respostas não forem agressivas nem os ignorarmos covardemente, eles poderão ficar com uma idéia diferente de nós, uma impressão positiva que fará diferença no futuro. Não conseguiremos fazer com que mudem de idéia a nosso respeito se formos grosseiros, se os ignorarmos ou se os agredirmos.
Pelo contrário, temos que ser mais educados que eles - e pessoas educadas sempre respondem, mesmo que só para informar, educadamente, que não têm tempo para conversar.

-Mas isto não vai servir para encorajá-los?

Ótimo! Quanto mais cristãos começarem a conversar com ateus, melhor o mundo vai ficar. Para cada cem deles que começam a engrossar e não levam a nada, obrigando-nos a terminar a conversa, um vai mudar de ponto de vista. Acredite, isto tem um grande valor - não só para nós como também para eles. Já ouvi isto várias vezes de gente que acabou adotando o ateísmo e de cristãos que permaneceram cristãos mas deixaram de detestar os ateus.

Procure responder com honestidade e genuíno interesse, não raiva e desprezo, a cada pergunta que lhe enviarem.


Adendo: debatendo online

Muitos livre-pensadores debatem em fóruns na Internet e acabam encontrando cristãos que defendem sua fé cegamente e se ofendem com qualquer coisa. Não é o caso de abandonar o fórum por causa deles, já que é um lugar público e destinado justamente ao debate de assuntos polêmicos. O que fazer, então? Muitos livre-pensadores não gostam de ofender aos outros e se perguntam até onde podem ir com essas pessoas, ou mesmo se deveriam tentar.

Venho passando por situações assim nos últimos 11 anos (estou escrevendo em 1999). Participo de debates em BBSs desde os modems de 300 bauds, antes de existirem email e WWW. Passei por outras redes, pela AOL, pela Usenet etc. e hoje sou editor da Secular Web. O que eu posso dizer, com base em minha experiência, é que cada caso é um caso, mas há algumas dicas que podem se aplicar a todos os casos:

* [1.]Algumas pessoas são loucas. Depois de algum tempo de contacto você perceberá isto. Às vezes eles dão sinais assustadores e fantásticos de que não enxergam a realidade como nós, ou se esquecem de coisas importantes que disseram antes (e negam que disseram, mesmo diante da evidência), ou repetem mantras sem parar, como um disco rachado, ignorando suas perguntas e refutações, ou fazem ameaças de agressão física ou anunciam coisas incompreensíveis, mostrando que não entendem que estão se comunicando pela Internet. Há outros sinais, como o uso constante de palavreado religioso bizarro, mas acho que já deu para entender.

* Não dá para discutir com gente assim. Eles precisam de ajuda profissional, mas aceite o fato de que eles nunca vão recebê-la. Religião é um tipo de loucura socialmente aceita, e nossa cultura rejeita a idéia de que uma pessoa muito religiosa possa, na verdade, estar louca. Nem os amigos, nem a família, nem seu pastor vão achar que eles estão malucos, apenas muito dedicados à fé. Não perca tempo conversando com essa gente. Se possível, ignore-os, mas, se não puder escapar, copie e cole trechos de mensagens anteriores que você vê como sinais de insanidade perigosa (veja meus exemplos acima) e diga a eles, na lata, que tais frases o incomodam e o deixam preocupado com a sanidade mental e a felicidade deles. Diga que você não está em condições de ajudá-los e que eles deveriam procurar um psicólogo. Eles vão ignorar seus conselhos, mas você terá feito a sua parte. Se eles insistirem, mande sempre o mesmo email como resposta. Mais cedo ou mais tarde, eles desistirão. Eles vão acabar se assustando com sua insistência de que eles não estão bem e vão parar de contactá-lo, como uma forma de escapar da verdade.

* [2.] Outras pessoas mentem. Elas gostam de entrar em brigas e usam todo o tipo de manipulação emocional para vencer. Nada, ou quase nada, do que eles dizem é sincero, mas você não tem como saber, a menos que eles deixem algum furo ou contradição que indique que eles são um "troll". "Trolls" costumam encher a Internet com mensagens provocadoras só para começar brigas.

* Em geral, "trolls" devem ser tratados inicialmente de acordo com [1.] ou [3.], até você ter certeza de que são mesmo "trolls". O primeiro passo para lidar com eles é enviar uma mensagem particular mostrando as evidências. Pode ser difícil identificar um "troll". Por exemplo, certa vez eu percebei que dois endereços de email correspondiam à mesma pessoa, fingindo ser duas. Não foi fácil chegar a esta conclusão. Tive que examinar os posts dessas duas pessoas em vários debates em fóruns, alguns deles encontrados por simples sorte. Mas já vi isto acontecer várias vezes. Outras pistas para se identificar um "troll" também são obscuras e nem sempre óbvias, mas você pode achá-las se ficar atento. E não se preocupe se vai ofendê-los. É assim que eles se "divertem". Depois de identificá-los, não os leve mais a sério, apenas os ignore.

* [3.] Algumas pessoas estão realmente assustadas. O seu medo se revela de várias maneiras. Uma delas é ter medo do futuro do mundo - eles vêem você como um demônio, com idéias tão monstruosas e incompreensíveis que elas não sabem o que fazer, daí suas reações desesperadas. Outra possibilidade é que elas têm medo que o mundo delas desabe. Aquelas dúvidas secretas, aqueles pecados, que as fazem sentir tanta culpa e que elas tentaram esconder, voltam a perseguí-las e elas tentam escapar ao tormento tornando-se virtuosas defensoras da fé. Para estes e outros medos, o tratamento é o mesmo.

* Este tipo de crente assustado deve ser tratado com muita educação, com respostas claras e sempre pedindo que a pessoa informe o que eles não entenderam dos seus argumentos, de forma a que você possa mostrar a eles o que levou você a chegar a tais conclusões. Com a mesma educação e sinceridade, informe a eles o que você não entendeu da argumentação deles. Se você mostrar simpatia e genuíno interesse em entendê-los (e não apenas ganhar a discussão ou desconvertê-los), em vez de ter medo acabarão confusos e, mais tarde, indecisos (ou talvez concordem com algumas coisas). Isto é melhor que medo. Embora seja muito raro, pode ser que se desconvertam (já consegui isto antes), mas este não deve ser seu objetivo, e sim que entendam seus pontos de vista, mesmo sem adotá-los. Este objetivo é bem mais realista.

* Procure sempre aprofundar os assuntos. Se a coisa começou com, por exemplo, "Gostaria de entender seu ponto de vista sobre o aborto", concentre-se em alguma parte da resposta deles que você realmente não entendeu. Peça para explicarem melhor, concentre-se na resposta deles e assim por diante. Isto aos poucos o levará ao fundo de algum assunto e também o afastará do assunto principal, portanto, quando chegar ao fundo, volte ao raciocínio inicial, talvez para começar de novo em outra direção. Se você se mantiver educado e interessado no assunto, parecerá menos ameaçador a eles, mesmo se seus pontos de vista, por alguma razão, os assustarem.

* Entretanto, seja honesto. Admita que sua intenção é desconvertê-los, embora você não espere conseguir nada, e que você gostaria, pelo menos, que eles entendessem melhor sua posição. Procure sempre reler suas mensagens antes de enviá-las, reescrevendo o que estiver agressivo ou arrogante. Se possível, peça a alguém para ler também. Sempre ajuda usar expressões como "parece-me que", "na minha opinião", em lugar de "o fato é que...", pelo menos quando aplicável. Deixar claro o que é apenas opinião sua faz parte de ser honesto.

De qualquer forma, lembre-se de onde você está: você está num debate público, e você pode continuar debatendo enquanto quiser. Não deixe que o medo de ofender ou magoar alguém o impeça de fazer o que lhe parece importante e que você tem o direito de fazer, num lugar criado justamente para se fazer isto. As pessoas amadurecem enfrentando conflitos e dores. Aprendizado e aperfeiçoamento muitas vezes envolvem dores. As histórias de fanáticos que se tornaram livres-pensadores quase sempre mencionam um período de sofrimento, miséria e confusão em sua transição de uma crença para outra.. Aliás, o mesmo pode acontecer a quem se converte na direção oposta.

Portanto, causar dor não é necessariamente uma coisa ruim, mas só se o objetivo for bom e a dor for temporária e você não estiver invadindo a liberdade ou privacidade da outra pessoa. Se eles realmente não suportarem o incômodo, provavelmente vão abandonar o debate bem antes de que algum dano permanente lhes ocorra. Não importa quão magoados eles pareçam, eles não continuariam a conversa se doesse demais, a menos que fossem loucos. E, se forem loucos, corte o papo e recomende a eles que procurem ajuda profissional.

Acima de tudo, lembre-se de que, nos fóruns que você frequenta regularmente, você se torna um embaixador dos livres-pensadores. O que você fizer se refletirá em todos nós, mas, principalmente, nos seus próprios ideais e na sua visão de moralidade. Não se esqueça disto.

Última atualização: 31 de agosto de 2002

Richard Cevantis Carrier

rcarrier@infidels.org
http://www.columbia.edu/~rcc20

domingo, 29 de maio de 2005

A evolução está comprovada?



Podemos então afirmar com toda certeza que a EVOLUÇÃO está completamente provada?

Depende:

Se considerarmos o seu grau de aceitação e eficiência sim! Num sentido frouxo da palavra "prova", não há nenhum motivo sensato para se duvidar do fato de que tenha ocorrido o processo evolutivo. A razão primordial, como eu já disse, é a total falta de opção de uma explicação comparável. As dúvidas são quanto aos processos que o conduziram através dos tempos.

Já se considerarmos como Comprovação uma evidência indiscutível capaz de por fim a qualquer discussão, ou uma prova definitiva como quer o CREATION SCIENCE EVANGELISM, que oferece U$ 250.000 para quem der uma prova da evolução, então a resposta claramente é não.

Não há como colocar na mesa uma evidência física, única e definitiva do processo evolutivo, assim como de nenhum fato histórico, de nenhum evento em local remoto ou mesmo do fato de existirem 6 bilhões de pessoas na Terra. Além do que, ao contrário do senso comum, não existem "provas" em Ciência. Estas são privilégio da Matemática e da Lógica.

O site referido acima sabe muito bem disso; eu também posso exigir que alguém me traga uma prova de que a Terra é esferóide e que orbita em torno do Sol, uma prova física inquestionável. Se eu não aceitar documentos, cálculos, teorias, dados ou qualquer informação, e exigir apenas um prova concreta, tal se torna impossível.

No entanto a ciência pode apresentar amostras de DNA, fósseis transicionais, reconstituições paleontológicas, testes de antiguidade, experiências controladas de geração de aminoácidos etc. como evidências da evolução.

Mas nem isso poderia ser apresentado se alguém exigisse uma prova da criação. Como eu já disse antes, nem mesmo a Arca de Noé, os esqueletos dos Nefilins, evidências do Dilúvio, muito menos a crença de que todas as espécies de seres vivos foram criadas em 6 dias.

Mesmo assim, é preciso admitir que a evolução também não é algo que se possa demonstrar com facilidade e, sendo assim, porque então crer nela?

POR QUE ACREDITAR NA EVOLUÇÃO?

Pelo simples fato de que, até agora, é a única escolha sensata. Para demonstrar isso, usemos uma analogia,

Vamos supor que você esteja repousando num banco de praça, de onde tem ampla e descoberta visão de tudo a sua frente. Você pode ver então uma padaria fechada, mas com uma bela vitrine, e lá dentro um suculento pão. Do lado de fora, há um mendigo evidentemente faminto a fitar o pão e, no chão ao lado dele, uma pedra de tamanho e peso correspondentes a pelo menos uns 3 kg.

Você se distrai por um instante e ouve o som de um vidro se quebrando; quando volta a atenção à cena, observa um buraco na vitrine, vê a pedra lá dentro, percebe que o pão desapareceu e vê o mendigo batendo em retirada.

Você não viu o fato em si, mas sabe que nenhuma outra pessoa poderia passar no local no breve instante em que você se distraiu e, sendo assim, qual a sua conclusão? Vejamos 3 alternativas:

1 - O mendigo pegou a pedra no chão e a usou para quebrar a vitrine, roubou o pão e saiu correndo.

2 - A pedra levitou, sozinha, se atirou no vidro e desintegrou o pão sem deixar vestígios. O mendigo, assustado, fugiu correndo.

3 - A pedra se teletransportou para o interior da vitrina, que se quebrou sozinha. O pão desapareceu tendo sido roubado por duendes comedores de pão num piscar de olhos. O mendigo continua ali, só que se tornou invisível, e o homem correndo que parece o mendigo na verdade é um pequeno sapo que assumiu forma humana.

Qual dessas "possibilidades" parece ser a mais sensata?

É assim que ocorre com a evolução. É a única opção razoável. Ela só nunca fora proposta antes do século XIX pela falta de conhecimento sobre como funciona a natureza. É como se, durante a maior parte da história humana, ninguém soubesse que uma pedra não pode se mover sozinha, que uma pessoa faminta faz qualquer coisa por comida, que o pão é comestível, que nada pode desaparecer no ar subitamente sem deixar rastros ou que sapos não podem se transformar em pessoas etc.

Sem esses conhecimentos, seria razoável considerar as outras duas opções para explicar o que aconteceu na vitrine da loja.

Ninguém pôde "ver" o processo de evolução, mas todas as evidências apontam indiscutivelmente para ela.

Há a distribuição geográfica das espécies ao redor do mundo e o modo como elas se diferenciam de acordo com o local. Há a comparação do desenvolvimento fetal, as moléculas de DNA, as mutações, os fósseis etc.

Por outro lado, como pergunto no texto QUESTÕES QUE O CRIACIONISMO NÃO RESPONDE, que evidências temos de que um evento tão espetacular e sobrenatural como a criação do Universo em 6 dias tenha ocorrido? De que Josué tenha parado o Sol sobre Jericó? De que todas as pessoas do mundo passaram a falar línguas diferentes em um só dia? De que tenha havido o Êxodo? De que que qualquer coisa na Bíblia não passe de mitos e lendas e alguns fatos históricos triviais? Ou mesmo de que Jesus Cristo tenha existido e, ainda por cima, ressuscitado?

Se abraçamos uma religião e as questões de fé, podemos não ter motivos para duvidar de fenômenos que não possam ser provados, mas, se entramos no campo da ciência, que possui uma vasta gama de realizações e descobertas concretas, porque confrontá-la com nada mais do que uma coletânea de lendas?

Se quisermos ser felizes, podemos colocar nossa emoção em primeiro lugar, mas por que continuar a usá-la, e não a razão e a experimentação, quando a questão se trata de compreender um fenômeno da natureza que pode ser estudado fisicamente?

Não quero aqui bradar contra a crença em si, mas com a insistência em usá-la em áreas onde ela não costuma dar bons resultados. Todos sabemos dos benefícios psicológicos e práticos de uma satisfação pessoal, de um objetivo claro na vida, de uma palavra de conforto ou de um grupo de amigos, coisas que a religião pode nos dar melhor do que a ciência.

Mas, se consertamos carros, construímos casas, fazemos cirurgias, desenvolvemos vacinas, olhamos as estrelas com telescópios, examinamos células com microscópios, desvendamos o genoma humano, escavamos fósseis ou observamos o comportamento dos animais, convenhamos que crenças, orações e livros sagrados não costumam ajudar.

O cristianismo é a maior religião do mundo, a mais bem sucedida. A Bíblia é o livro mais disseminado de todos os tempos. A maioria dos católicos não deixou de ser católico quando a Igreja declarou ser o Gênesis uma alegoria, nem mesmo ninguém deixa de professar uma religião devido à imprecisão científica de suas crenças.

Por que insistir numa batalha perdida e sem qualquer utilidade?

Insistir em usar a Bíblia como manual de ciência, como faz Henry Morris e cia. não é glorificá-la, e sim tentar extrair dela um conteúdo que ela jamais pretendeu ter. E insistir em expô-la ao ridículo.

O Cristianismo só tem a perder com o CRIACIONISMO "CIENTÍFICO" BÍBLICO. Além de prejudicial à ciência, em especial ao ensino escolar, ele presta um enorme desserviço à religião. Ele desnecessariamente expõe a religião num campo no qual ela não tem qualquer desenvoltura. É como pegar um pianista famoso e insistir em fazê-lo jogar futebol declarando ser ele o melhor jogador do mundo. É apenas ridicularizá-lo.

Não precisamos de evidências para abraçar uma crença, basta acreditar, mas crença ou fé alguma irá fazer aviões voarem, pessoas se comunicarem a milhares de quilômetros, extrair cálculos renais, explicar como funciona o universo ou como a vida surgiu.

Já passou definitivamente da hora de se deixar a ciência em paz e a Religião em seu devido lugar. Chega de obscurantismo e falsidade. Milhares de pessoas do mundo rezando com bíblias na mão não irão impedir que uma pessoa morra de apendicite. Serão necessários médicos para operá-la e remover esse órgão vestigial, que só tem função em espécies ancestrais.

A religião pode operar milagres na psique humana, mas nada fará no mundo físico. Ela não irá parar a rotação do planeta, fazer o mar se abrir ou remover montanhas.

Se nossa tecnologia consegue detectar o eco do Big-Bang, os mapas genéticos da humanidade e os pontos fracos do vírus HIV, não faz mais sentido insistir em usar crenças e lendas como paradigma atual.

Além do EVOLUCIONISMO e do CRIACIONISMO, há uma outra explicação para a existência da vida na Terra, em especial para a existência humana, que costuma ser chamada de ANTROPOLOGIA GNÓSTICA ou TEOSÓFICA, ao qual gosto de me referir como INVOLUCIONISMO

Tal visão é, insisto, mais racional do que o Criacionismo, incorrendo em menos contradições lógicas, mas é tão ou mais fantástica e totalmente desprovida de evidências. Se consideramos o Criacionismo aceitável mesmo sem nada concreto, por que não considerar essa também?

Por que, também, já que devemos dar voz a todos com pretensas credenciais científicas, não abrir espaço nas escolas para os Raelianos, que têm até envolvimento na famosa empresa francesa CLONAID, uma vez que eles têm também uma teoria "científica" de que a vida na Terra foi criada por ETs? Porque não deixá-los apresentar as mil e uma "evidências" da Ufologia que muitos declaram ser Ciência?

Será que os Criacionistas, em nome de seu pretenso tratamento igualitário para Evolução e Criação nas escolas, também concordariam em que nas mesmas fossem ensinados outros Criacionismos de outras religiões?

E por que eles precisam ocupar tempo nas escolas se já podem ocupar o tempo que quiserem em suas igrejas e programas de TV e podem controlar totalmente tudo que suas crianças leem, veem e aprendem fora da escola?

Pode ter sido válido e útil, num determinado contexto social, que uma criança acredite que foi trazida por uma cegonha. Bem mais simples do que explicar algo sobre a fecundação e a gestação, e mais aceitável no âmbito de uma sociedade sexualmente moralista. Mas um dia a criança terá que crescer, e conhecer a verdade. Ou terá relações sexuais sem nem saber que podem resultar numa gravidez.

Um dia a humanidade foi criança e não tinha conhecimento sobre o funcionamento da natureza, assim como tinha medo de bruxas e demônios de toda espécie. Nessa época, explicações fantásticas podiam ser válidas. Mas a humanidade cresceu, ela EVOLUIU!

É mais do que hora de encarar a verdade de frente.

Marcus Valerio XR
03 de Novembro de 2001

http://www.evo.bio.br/LAYOUT/Comprova.html

sábado, 7 de maio de 2005

Ateísmo positivo

Uma religião afirma coisas. O ateísmo, em geral, nega coisas. Poderíamos dizer que
religiões são positivas e o ateísmo é negativo. Ele não se define por valores próprios
mas pela negação dos valores das religiões. Para que o ateísmo se torne positivo (ou
afirmativo) é preciso mostrar que há vantagens em não se ter um deus e uma crença
religiosa. De modo geral, a escolha certa é aquela que nos faz feliz ou, pelo menos,
nos ajuda a enfrentar a vida. Uma religião pode não ter nenhuma base lógica mas
adotá-la se justifica se seus efeitos em nossa vida são positivos. Religiões nos
trazem esperança, nos convencem de que há justiça no universo. Seremos um
dia recompensados pelo bem que fizermos e o mal será punido. A morte não é
mais o fim, apenas a passagem para uma vida melhor.

Por outro lado, religiões nos trazem o medo da punição, a culpa por termos feito ou
deixado de fazer alguma coisa que, na verdade, não prejudica nem beneficia ninguém.
Elas nos levam a nos humilharmos e nos autodesvalorizarmos diante de Deus. Exigem
que paguemos por supostos pecados com penitências que em nada enriquecem
a comunidade ou o próprio indivíduo. Geram intolerância e rejeição dos que têm outra fé,
condenam as atitudes nos outros só porque contrariam o que está no "livro sagrado" etc.
Até que ponto é preciso se ater ao que está escrito sem se tornar um fundamentalista?
A doutrina é confusa e há muitos modos de interpretá-la. É louvável e meritório ser virtuoso
apenas por medo do inferno? Qual religião é a verdadeira, entre tantas? A fé nos leva a agir
sem pensar, a seguir dogmas sem discutir sua validade. Precisamos da razão e da
dúvida constante para limitar nossos erros, para questionarmos constantemente
nossas decisões.

Ateus não seguem dogmas. Procuram pensar com a própria cabeça e fazer o que lhes
parece certo, porque é certo e não porque "está escrito", nem porque esperam uma
recompensa em outra vida ou têm medo do inferno. Embora tenham defeitos como
todo ser humano, estão livres para ser mais tolerantes em relação ao que os outros
pensam, porque acham que opinião própria é o direito de cada um. Eles não têm uma
religião que lhes diga, a priori e sem justificativas, o que aceitar ou não. Não têm
nenhum motivo, além de possíveis razões pessoais, para discriminar mulheres ou
homossexuais. Podem se dedicar mais a melhorar este mundo, o único que eles
conhecem, em lugar de apenas esperar pela hora de ir para o céu, sem o conformismo
de aceitar que "as coisas são assim mesmo" ou "é a vontade de Deus". Não desperdiçam
a vida em orações improdutivas fechados em um convento. Um ateu não se vê como um
joguete na luta entre Deus e o Diabo pela sua alma; ele é o único responsável pelos seus
atos. Ele tem toda a culpa pelos seus erros e todo o mérito pelos seus acertos.

Religiões oferecem respostas a todas as dúvidas e regras de conduta para qualquer
ocasião. Ateus têm que pensar com a própria cabeça e tirar suas próprias conclusões,
o que os ajuda a refletir melhor e mais profundamente antes de decidir. Respostas
simplistas levam a mentes simplistas mas, é claro, muitos preferem a segurança de um
dogma à incerteza de uma busca por respostas. É por isto que não se deve tentar
"desconverter" as pessoas. Quando e se elas estiverem prontas, irão procurar
respostas fora de sua religião.

Pessoas religiosas que preferem ignorar os mandamentos de seus "livros sagrados"
que lhes parecem excessivos ou cruéis estão agindo como ateus, pensando com sua
própria cabeça e seguindo sua razão, embora muitas vezes nem se dêem conta disto.

Ateus devem se policiar, entretanto, para não repetir os erros das religiões. Devem
respeitar as escolhas dos crentes, por mais obtusas que lhes pareçam. Quando
instados a defender sua posição, destacar os aspectos positivos do ateísmo, como
a liberdade de escolha e a racionalidade, evitando atacar os aspectos negativos desta
ou daquela religião ou duvidar da inteligência do interlocutor.

Sim, é possível ser um ateu militante. Pode até ser necessário, como forma de defender
sua liberdade de expressão num mundo ameaçado pelo fundamentalismo.
Mas é preciso levar em conta que uma postura agressiva só reforçará os estereótipos
do "ateu revoltado e perverso", do "ateu sem moral e sem limites". Contra a fé, a razão
nem sempre faz efeito. Comecemos confundindo os crentes, sendo o oposto daquilo
que eles esperam de nós. Sejamos honestos, prestativos e respeitadores das leis.

Aos poucos, e com cuidado para evitar a rejeição, procuremos despertar nos religiosos
a consciência de que a "verdade" deles não é a única. Que é possível ser feliz e decente
sem um deus. Que a crença em deuses não fez da humanidade um lugar melhor, talvez
muito pelo contrário.

Não é possível desconverter uma pessoa de fora para dentro, mas podemos torná-la
mais tolerante. Fazê-la entender que há outros modos de pensar igualmente aceitáveis.
Que a crença delas não é uma escolha óbvia e que ninguém se torna um pervertido,
condenado ao inferno, por não adotá-la. Fazê-la entender que não é possível "rejeitar"
um deus em que não se acredita.

(inspirado em Paul O'Brien - "Gentle Godlessness")

domingo, 13 de março de 2005

O que fazer com tanto tempo livre


Nunca a humanidade teve tanta tecnologia para lhe facilitar a vida
e nunca teve tão pouco tempo livre.
Qualquer tempo que se libera é imediatamente preenchido por novas
ocupações. Lembro-me do anúncio de um debugger numa revista para
programadores. O tal programa permitiria que o trabalho fosse
terminado muito mais rápido, ficando o sujeito com tempo livre
para aproveitar a vida. E o fundo do anúncio mostrava um esquiador
descendo uma montanha coberta de neve.
Qualquer um sabe que, se o funcionário pode fazer o trabalho na
metade do tempo, o patrão lhe dará dois serviços para fazer naquele
mesmo tempo. Ou, no caso de um autônomo, ele sairá em busca de mais
serviço.
O fato de se fazerem 10 coisas por dia em lugar de passar o dia
todo ocupado com apenas uma implica num stress adicional:
administrar 10 coisas diferentes. Antigamente, eu começava um
serviço, levava algum tempo até pegar o jeito e depois era só
levar em frente. Agora eu tenho que pegar o jeito 10 vezes por
dia. Com tantas transições, termino o expediente com a vaga
impressão de que esqueci alguma coisa importante.
Antes dos computadores, esperava-se menos da apresentação dos
documentos. Eu escrevia um manual a lápis e o passava para uma
secretária que o batia à máquina. Ele me era devolvido para
conferência, eu indicava os erros, eram corrigidos, novo retorno,
até que eu decidia que estava bom o bastante (cheio de corretivo,
com letras espremidas).
Hoje espera-se que eu digite tudo - e tem que ficar perfeito, bem
diagramado, sem erros.
Antes, eu desenhava à mão e passava para um desenhista fazer no
poliéster com nanquim e régua T. O resultado final era mais ou
menos, cheio de manchas e sombras de fita adesiva (colar e cortar
eram termos literais).
Hoje, cada engenheiro tem que fazer seus próprios desenhos no
computador e entregar um serviço perfeito.
Antes, terminava-se um serviço e mandava-se tudo pelo correio para
o cliente. Tínhamos pelo menos 4 dias antes que voltasse a papelada
com comentários. Hoje, com a Internet, volta no mesmo dia, não
importando onde o cliente esteja.
Outra coisa que se perdeu foi a privacidade. Há poucos anos, quando
se saía para almoçar, o tempo era todo dedicado ao almoço. A pessoa
ficava fora de alcance. Hoje, no restaurante ou no carro, estamos
sempre disponíveis para ouvir os problemas que nos trazem. E, em os
tendo ouvido, responsáveis por resolvê-los (e estressados).
Em resumo, está longe o dia em que morreremos de tédio. É mais
provável que morramos de stress.

As diferenças entre a juventude e a velhice

As principais diferenças entre velhos e jovens são:

-Os jovens têm o futuro pela frente, um futuro aparentemente
infinito, onde tudo pode acontecer, onde há lugar para todas
as esperanças, onde há tempo para recomeçar mil vezes.
A velhice (ou maturidade) é uma realidade distante, um outro
universo, povoado por uma gente estranha que aparentemente nunca
foi jovem e não é capaz de entender a juventude. O jovem acha
que sabe tudo e que aquilo que ele não vê é porque não existe.

-O velhos (ou pessoas maduras) sabem o que o futuro lhes reserva:
a decadência física e mental, cujos sintomas já começam a se
manifestar, durante um longo crepúsculo sem esperanças de volta.
Não vai acontecer nada de radicalmente novo e, mesmo que eles
saibam que são capazes de mudar muita coisa, de largar tudo e
começar uma vida nova em outro lugar, estão imobilizados numa teia
de compromissos assumidos e responsabilidades.

-Cada decisão que se toma limita as possibilidades futuras; o jovem
ainda não decidiu nada, portanto todas as opções estão diante de si.
Mesmo depois de escolher alguma coisa, ainda acredita que pode voltar
atrás se não der certo, que haverá sempre tempo para recomeçar.
Quando ele menos espera, já terminou a universidade (e não tem mais
disposição para começar tudo de novo em outra especialidade, pois
sabe como foi difícil se formar). Com isso, ele está preso à profissão
que escolheu. Além disso, percebe que já não é mais um adolescente e que
precisa ganhar o próprio sustento. Com sorte, em breve estará trabalhando
e, mais uma vez, suas opções se estreitaram, pois agora está preso à
firma que escolheu. Com o tempo, ele acumula um patrimônio, se não
material, pessoal. Naquela firma ele tem um nome. Se mudar de emprego
terá que recomeçar do zero, como um desconhecido, até provar de novo
seu valor. Sua vida passa a girar em função do emprego; quer queira, quer não,
ele tem que estar lá todos os dias, assumindo suas responsabilidades. Sua
vida pessoal, seus sonhos, tudo aquilo que ele planejou fazer durante a
adolescência fica restrito ao pouco tempo livre que lhe resta, nos fins de
semana e nas férias curtas, utilizado mais para resolver os problemas
pessoais do que para se divertir (leia-se "viver").
Além disso, a essas alturas já terá contas a pagar e dependerá do salário.
Não pode mais abandonar o emprego e ficar à toa, como na adolescência.
Talvez se case - e suas responsabilidades aumentarão. Não estará mais sozinho,
terá que dar satisfações a alguém, até mesmo da sua vida pessoal. É possível
que mais cedo ou mais tarde tenha filhos, com o que sua vida estará
praticamente definida pelos próximos 20 anos, a menos que seja um irresponsável.

-Com sorte, e se trabalhar duro e economizar, acabará acumulando um patrimônio, uma
casa, uma poupança. Isto o tornará um conservador, mesmo que na juventude tenha
sido um socialista. Ele saberá o que lhe custou tudo o que conseguiu e rejeitará
qualquer idéia de repartir o fruto do seu trabalho duro com vadios. Terá medo de
aventuras, de perder tudo e ter que recomeçar do zero, só que, desta vez, sem o
entusiasmo, a fé e a disposição da juventude.
Os jovens que se engajam numa causa qualquer, com a intenção de mudar o mundo e
acabar com as injustiças, não sabem o risco que estão correndo. Os mais velhos
sabem e, em geral, se abstêm. É porisso que o progresso das causas sociais depende
tanto dos mais jovens. A cada geração, avança-se um pouco, ao custo de frustrações,
sacrifícios e ilusões perdidas por parte dos loucos que tentaram.

-Na juventude, tudo está sendo feito pela primeira vez. Tudo é novidade,
tudo é aventura. Pouco importa o desconforto de um acampamento, de uma
viagem de ônibus, de hotéis ou albergues de quinta categoria, de noites mal
dormidas em bancos de rodoviária. Há sempre a esperança de que algo de
interessante aconteça, que alguém apareça. Há um mundo a ser descoberto.
Na idade madura, o atrativo do novo diminui muito, as coisas que já foram
feitas já não atraem tanto. A pessoa já sabe o fim do filme e que a chance
de sonhos malucos se realizarem são reduzidas. Pode ser que apareça alguém
interessante, mas não vai acontecer nada. Não a um coroa gordo, enrugado e
careca.
Sua turma, quer queira, quer não, são outros como ele. Uma turma de jovens
nunca o aceitará.
A esperança e o otimismo gerados pela ignorância, inexperiência e a ingenuidade
já se foram. Sim, a pessoa tem sonhos, que viajar, ver coisas novas etc, mas quer
conforto. Quer ir de avião, quer um hotel confortável, com um banheiro decente e
não uma moita.

-Os interesses da juventude não duram para sempre. As coisas que pensávamos
que íamos apreciar pelo resto da vida mais cedo ou mais tarde são esquecidas,
tornam-se enfadonhas, repetitivas. Isto é difícil de entender para um jovem,
que se acha muito esperto, que se acha eterno, que a vida que leva jamais
mudará, que o mundo era diferente no passado mas que daqui para a frente será
do jeito dele, porque ele não é como seus pais. Mais cedo ou mais tarde se verá
levando a vida que eles levaram, ainda que num novo cenário.
Mais cedo ou mais tarde se defrontará com uma nova geração, trazendo outras
modas, outras músicas, outros hábitos, que nem saberá do que ele está falando
(e nem se interessará). E ele então descobrirá que ficou velho.

-Durante todos estes anos venho observando as pessoas do prédio em que moro.
No playground, as crianças pequenas correm de um lado para o outro e gritam.
No outro canto, garotos maiores jogam bola. Na frente do prédio, adolescentes
com ar entediado ficam sentados conversando.
De repente, percebo que as crianças pequenas estão jogando bola e que os
garotos maiores estão sentados na entrada do prédio. Os adolescentes que
lá estavam agora cruzam comigo no elevador, de manhã cedo, de paletó e
gravata, a caminho do emprego. A menina que brincava com o baldinho agora
empurra um carrinho de bebê.
Mais rápido do que eu ou eles pudéssemos perceber, tudo mudou. Os adolescentes
entediados, que olhavam para o mundo com desprezo, sentindo-se muito
superiores às crianças no playground com suas brincadeiras tolas e muito
mais espertas que os engravatados que só sabiam falar de trabalho, viram-se
de repente engravatados e presos a horários e compromissos.

-Os mais velhos têm experiência, acumulada durante anos, mas muito cedo
percebem que não podem mais usá-la, pois a saúde e a boa aparência se foram.
Tentam transmití-la aos mais jovens, mas estes não estão interessados na
companhia e nas histórias chatas de um velho. Não acreditam no que ele diz e
preferem cometer seus próprios erros.

-Os garotos de 15 anos gostam de meninas de 18 anos. Os rapazes de 25 anos
gostam de meninas de 18 anos. Idem idem, aos 30 anos, aos 40, aos 50.
Um dia, você está com 70 e olha para uma menina de 18 anos e é chamado de
velho tarado. Os outros interesses mudam com a idade, este não (mesmo porque
é um instinto e não uma preferência intelectual). Dentro de cada velho
acabado há um adolescente que não consegue entender o que foi que aconteceu
com seu corpo. Espera-se dele que seja assexuado, que procure pessoas de sua
idade, e é o que ele acaba fazendo, por falta de opção, por que está solitário,
mas não por gosto.
O garoto que sai pela estrada de mochila às costas e arranja uma namorada
sabe que ela gostou dele pelo que é. O velho rico no seu carrão de luxo
talvez arranje também uma menina nova, mas ele saberá que o que a atraiu foi
o dinheiro e poder que ele tem; se ele estivesse num banco de praça seria
invisível para ela.

-A juventude não está no espírito. Os jovens repetem isto, porque são jovens,
mas logo descobrirão a triste realidade. Talvez haja um espírito jovem preso
ao seu corpo decrépito mas ninguém está interessado.
Diga a uma menina que vai apresentá-la a um senhor de 60 anos e veja com que
entusiasmo ela reage.
Manifestar seu espírito jovem apenas evitará que o chamem de velho ranzinza.

-O jovem tem a turma dele, que vive junta, se diverte junta, namoram uns aos
outros. Com o tempo, cada um terá a sua vida, sua família, seus afazeres. Aos
poucos, deixarão de se encontrar com frequência e se esquecerão uns dos outros.
Alguns ficarão, é claro, e continuarão em contacto durante a idade madura. Cedo
ou tarde, entretanto, a velhice e as dificuldades de locomoção os prenderão cada
vez mais em casa. Um a um irão morrendo, até que os sobreviventes se vejam
completamente sós, sem amigos e sem parentes, andando como sombras que o mundo
frenético ao redor deles nem percebe, a não ser quando atrapalham (você sabe o
nome completo de seus avós? Quando foi que os visitou pela última vez?).

-Os jovens têm saúde e disposição e não sabem disto. Quando menos esperam, o
cabelo ficou branco e caiu, as rugas surgiram, a pele ficou flácida e manchada
e a barriga cresceu. Partes do corpo que eles nem sabiam que existiam começam
a doer e a dar problema. A escada que se subia em três pulos é agora um obstáculo
quase intransponível. As distâncias se tornam imensas. Tudo tem que ser planejado
em função da hora de tomar os remédios, do tratamento que não pode ser interrompido
e da dieta especial. Acampamento? Nem pensar. E se for preciso achar um médico?
Ficar no meio do mato, dormindo no chão, longe de um banheiro? E a dor nas costas,
e a dor nas juntas, e o reumatismo? Como recompensa por tudo que sofreram na vida,
ganham o descontrole da bexiga, perda de memória, senilidade e uma espinha mais
curta.
Os jovens também ficam doentes, mas sabem que vão se curar. Os velhos apenas
administram seus achaques, tentam minorar os incômodos. Sabem que não há volta.

-Na vida de cada pessoa existe um ponto de ruptura. É o momento a partir do qual
ela deixa de sonhar com um futuro ainda aberto e indefinido e passa a administrar
o que ainda lhe resta por viver. Na juventude, a estrada da vida só tem uma
extremidade visível, que é o início. A outra se perde na distância, na neblina do
futuro remoto. Um dia, entretanto, o percurso lhe surge inteiro diante dos olhos:
"Estou aqui e vou chegar, no máximo, até ali". E o trecho que falta já não parece
tão interessante, principalmente ao se considerar em que condições será percorrido.
A pessoa se dá conta da própria mortalidade, de que seu tempo é limitado. Pode até
vir a ficar mais rica e mais poderosa mas a decadência física inevitável lhe dá
uma outra visão das coisas, a certeza da transitoriedade, de que nada é para
sempre, de que seu tempo está acabando, de que não vai dar para fazer tudo.

-Sabedoria popular:
-"Se a juventude soubesse, se a velhice pudesse"
-"A juventude não deveria ser desperdiçada com os jovens".
-"A experiência é um farol voltado para trás".
-"Já não sou jovem o bastante para saber tudo".
-"Velhos não têm sonhos, têm saudades".
-"A festa de formatura da escola da vida é o velório" (Quino)
-"O tempo é um grande mestre, só que mata todos os alunos" (Hector Berlioz)

-Leitura correlata:
-"Viagem aos seios de Duília", de Aníbal Machado (em "Contos de aprendiz")
-"A vida por viver", de Affonso Romano de Sant'Anna (em "A vida por viver").

Por que prefiro viajar sozinho

Sei que há muita gente gregária, que precisa ter alguém a seu lado a maior parte do tempo, gente que tem horror a ficar só consigo mesma, diante de seus próprios pensamentos.
Para estes, viajar tem que ser em grupo, comentando tudo o que vê com os outros. Sua viagem só tem valor se alguém mais estiver lá para testemunhar o fato. Suponho até que alguns fiquem desorientados ao se ver sós numa cidade estranha, sem ninguém para tomar a iniciativa de ir a algum lugar, fazer alguma coisa. Provavelmente correrão para o primeiro telefone que encontrarem e ligarão para casa.

Minhas melhores viagens foram aquelas que eu fiz sozinho. Eu fui aonde quis, na hora em que quis, para ver ou fazer o que quis, pelo tempo que quis. Foram as MINHAS viagens, não as viagens dos outros em que, por acaso, eu estava presente.

Quando tive que viajar acompanhado, meus interesses eram sempre considerados "uma chatice, não sei que graça você acha nisto, vamos embora!". E lá ia eu ver o que os outros queriam, em geral alguma bobagem tipo "armadilha para turista" ou comprar bugingangas ou "recuerdos" cafonas.

Se você está com pressa, os outros são moles, se você quer fazer as coisas com calma, os outros são uns apressadinhos que enjoam de qualquer coisa após 2 minutos.

Se você acorda na hora marcada, os outros só aparecem uma hora depois, na maior cara de pau. Se você quer dormir mais um pouco e acordar sem pressa, os outros se levantam de madrugada e lhe chamam de preguiçoso.
Na hora do café da manhã, eles insistem em que todos devem ficar juntos: se você come pouco, tem que esperar que os outros acabem de se empanturrar com tudo o que há no buffet. Se você quer saborear com calma, provar um pouco de cada coisa, os outros ficam lhe apressando.

E sorte sua se os quartos forem separados, porque seu companheiro de quarto necessariamente ronca. Se você gosta de dormir cedo, ele vai assistir a tudo o que é besteira na TV até de madrugada. Ou vai chegar tarde da noite, acender todas as luzes e fazer o máximo de barulho antes de se deitar - e começar a roncar.

Se é você que quer ficar até tarde vendo alguma coisa boa na TV, vai se sentir mal por estar incomodando o outro. Se você toma banho primeiro, ele vai ficar batendo na porta, impaciente. Se ele vai primeiro, você encontrará um banheiro alagado, com toalhas encharcadas no chão.

Você leva uma bagagem mínima e espalha o mínimo possível suas coisas pelo quarto. Ele leva malas e mais malas e ocupa todos os espaços disponíveis. Na hora de ir embora, sua mala fica pronta em minutos, enquanto ele perde um tempão para guardar tudo e procurar as coisas que esqueceu onde deixou.

Falando em malas, sua experiência lhe mostra que não é necessário levar muita coisa e que malas são difíceis de carregar em aeroportos, para dentro e fora de trens que estão sempre na outra plataforma e prestes a partir, para dentro e fora de táxis e hotéis. Mas vai acabar carregando as malas dos outros - ou fazer papel de antipático. E não apenas as malas, mas a cacarecada que os outros insistem em comprar, em geral coisas que existem pelo mesmo preço e até com melhor qualidade em casa (mas não são "importadas"...).

Se não conseguir se desvencilhar dos outros, vai passar a maior parte da viagem dentro de lojas, aguardando que eles se decidam entre várias coisas igualmente idiotas e desnecessárias, que eles estão comprando para eles e também por encomenda de toda a família e dos amigos. Aliás, nunca divulgue suas viagens, ou vai ter que perder seu tempo com encomendas em geral dificílimas de achar (e ai de você se comprar errado) ou, novamente, bancar o antipático.

Menos mal se você viaja com gente experiente, ainda que chata, caso contrário, prepare-se para micos e vexames, ainda mais se você tiver que bancar o tradutor a cada instante e não puder deixar a pessoa sozinha. Já viajei com gente que falava alto demais (tudo bem, se for na Itália), que insistia em fotografar outras pessoas dentro de restaurantes ou na rua, gostassem elas ou não, que parava em saídas de Metrô, deslumbrada com a vista, e começava a filmar tudo, ignorando o incômodo que causava à multidão que mantinha retida atrás de si.
Ou insistia em mostrar ao mundo "a incrível musicalidade do povo brasileiro", como diz o João Ubaldo Ribeiro, e queria se enturmar onde quer que chegasse, confiante em que sua condição de brasileiro o tornaria automaticamente simpático e benvindo.

Dica: se você é um destes chatos, dê preferência a gente idosa. São solitários em qualquer lugar do mundo e tendem a receber bem quem quer que lhes dê atenção.

Resultado: em vez de se divertir, você acabará trabalhando como babá de adultos, tradutor e carregador de malas dos outros, além de alvo de reclamações por suas "manias" e antipatizado por não se mostrar sempre feliz e radiante e tentar se afastar dos outros.

E, ao voltar para casa, os outros contarão histórias incríveis sobre as trapalhadas que você teria feito, suas esquisitices e seu mau humor. Ou, como já me aconteceu, anunciarão a todos que, graças a eles, aquela foi a melhor viagem que você já fez.

sábado, 12 de março de 2005

Curas espirituais

De todas as crueldades da religião, e elas são muitas, talvez a mais cruel, tirando matar pessoas intencionalmente, seja a tal de "cura pela fé". À primeira vista, parece uma coisa inocente - o que você tem a perder? - mas, pensando bem, você perceberá como ela é horrível.

Através dos tempos, seres humanos vêm sofrendo de tudo o que é doença, de resfriado a câncer. Durante a maior parte da história humana, nós não tivemos a menor idéia do que causava nossos problemas de saúde. Nem uma pista. Como consequência, tentávamos adivinhar. Partindo de um objetivo lógico, ou seja, descobrir o que causava as doenças para podermos curá-las ou nos precavermos contra elas, acabamos chegando a algumas conclusões bastante ilógicas e completamente erradas.

É provável que tudo o que existe no universo conhecido já tenha sido acusado, pelo menos uma vez, de causar alguma enfermidade. A passagem de um cometa, a posição dos planetas, eclipses, estrelas cadentes, avistar um animal raro - tudo isto e outras coisas mais foram erradamente acusados de provocar doenças. E, naturalmente, surgiram superstições persistentes quanto a feitiços, encantos ou maldições jogados sobre nós por outras pessoas, as bruxas e feiticeiros.

A crença em bruxaria foi muito popular em quase todas as épocas. Doenças misteriosas pareciam ter causas misteriosas e, como sempre houve rivalidades entre grupos, eles sempre acabavam se acusando uns aos outros. Estas crenças poderiam até nos parecer engraçadas hoje em dia se não fosse pelo fato de que muitos inocentes, a maior parte mulheres, foram torturados e mortos numa tentativa de quebrar o "encanto" que tinha feito, por exemplo, as vacas pararem de dar leite ou as crianças terem febre. É claro, também, que toda essa barbaridade era cometida, muito piedosamente, em nome da religião.

A religião se misturou à medicina desde as origens. Os antigos egípcios, os antigos gregos e os antigos judeus apelavam todos a seus deuses em busca de alívio e cura. Achavam eles que eram deuses zangados que provocavam seus males e que a cura poderia ser obtida apaziguando esses deuses. O cristianismo manteve a tradição, ao ensinar que Jesus veio, entre outras coisas, para nos curar. Mais tarde, o poder de cura também foi atribuído a um sem número de santos, e até mesmo a suas relíquias, até que quase todos os lugares e objetos relacionados a eles passou a ser considerado como tendo poderes curativos.

No catolicismo de hoje, as relíquias já não têm o mesmo valor, mas atribuem-se aos santos e, principalmente, à Virgem Maria, poderes de cura, e é comum orar-se a eles. Da mesma forma, alguns lugares, dos quais o mais famoso é Lourdes, na França, atraem milhões de pessoas todos os anos em busca de curas fora do alcance da medicina. O santuário de Lourdes foi construído por causa da suposta aparição da Virgem Maria a uma menina de 14 anos da aldeia próxima, Bernadette Soubirous, em 1858 (por que a Virgem nunca aparece a adultos instruídos? Por que apenas a pastores analfabetos ou coisa assim?). De qualquer modo, a novidade se espalhou e cada vez mais gente acreditou, até se tornar hoje em dia o local que mais suplicantes atrai em todo o mundo.

A idéia de curar pela fé foi abraçada sem restrições por Mary Baker Eddy (1821-1910), que fundou o movimento da Ciência Cristã. De acordo com Eddy, não existem doenças, há apenas Erro. Se as pessoas pudessem encontrar a Verdade através de Deus, não haveria mais nenhuma doença. Seu movimento ainda é muito popular hoje em dia. Não me pergunte por quê.

Curandeiros pela fé proclamam ter curado milhões e milhões de pessoas confirmam suas alegações. A pergunta é "Por que?" Suas doenças foram curadas pela fé e pela oração apenas? Para responder a isto, temos que antes examinar as doenças. Eram graves? Há quanto tempo existiam? Tinham sido diagnosticadas por médicos diplomados? Os doentes receberam algum outro tratamento além da oração?

Para responder a estas perguntas, temos que examinar a natureza da doença propriamente dita. A maioria das doenças regride por si só, ou seja, se você não fizer nada, depois de algum tempo o problema desaparece. Em casos mais sérios, como artrite e câncer, a coisa costuma ser diferente. Entretanto, mesmo no caso de doenças graves, pode ocorrrer o que é conhecido como "remissão espontânea". Ninguém sabe ao certo como estas curas aparentemente inexplicáveis ocorrem (algumas vezes em definitivo), mas, à medida em que o sistema imunológico vai sendo mais bem conhecido pela ciência, mais vamos chegando à conclusão de que o corpo sempre tenta se auto-consertar.

Apesar disto, curandeiros pela fé ainda são muito populares (talvez devido à incapacidade de nosso sistema de ensino em transmitir conhecimentos científicos aos alunos). Alguns dos curandeiros mais conhecidos são Kathryn Kuhlman, Peter Popoff, Oral Roberts, Pat Robertson e Benny Hinn. Embora seus métodos variem um poucos, o princípio é o mesmo: se a sua fé é forte o bastante e se você reza com todo o seu coração, você pode ser curado. Eles afirmam serem capazes de curar tudo, inclusive câncer, artrite, paralisia e qualquer outra coisa que possa dar errado com a saúde humana.
Com uma ENORME exceção: ninguém, em tempo algum, jamais "curou" ou mesmo alegou ter curado membros ou olhos faltantes. Por quê? Pense um pouco. Um milagre é um milagre, não é? Se você pretende ser um canal para os poderes curativos de Deus, por que tem que se limitar a curas invisíveis? Será que Deus não é capaz de curar qualquer coisa que ele queira? Não me parece que a cura instantânea do câncer seja mais milagrosa que repor instantaneamente um olho. Então por que nunca acontece?

O santuário de Lourdes está cheio de tudo o que é tipo de muletas e cadeiras de roda, algumas das quais podem ser alugadas nas vizinhanças, mas nunca se viram próteses de pernas e braços ou olhos de vidro ou outras partes do corpo. Faz pensar, não? Por que Deus é tão seletivo quanto ao que ele cura?

Ainda há outro ponto em que ninguém repara, um ponto bem fraco nas afirmações dos curandeiros. Se você assistir a uma sessão de cura, verá que as pessoas ficam em pé diante do Poderoso Curandeiro e, quando o "poder de Deus" as toca, elas desmaiam, caindo para trás - sempre nos braços de um obreiro já a postos. Ufa! Quase, hein? Ainda bem que elas não caíram de costas no chão duro. Seria horrível se curar de câncer e morrer de concussão cerebral! Só que há um pequeno problema: ninguém desmaia para trás. Os joelhos cedem e a pessoa cai para a frente e para baixo. Pergunte a qualquer médico ou enfermeira. Estes falsos desmaios mostram que tudo não passa de um grande show de circo.

Um caso mais gritante de farsa foi o do tristemente famoso Peter Popoff, que já foi um curandeiro muito conhecido. Na década de 80, ele atraía os otários e os depenava, ganhando milhões. Ele vendia artigos maravilhosos: capas de chuva abençoadas, luvas abençoadas, sementes de mostarda abençoadas e assim por diante. Você também podia adquirir um lenço com o LEGÍTIMO SUOR DE POPOFF!!! Ligue djá! Eita! Suor abençoado! Eu me pergunto se ele não vendia bosta abençoada também.

Além disto, Popoff apelava para truques sujos. Seus ajudantes distribuíam cartões postais aos otários no auditório antes que o show começasse e lhes pediam que escrevessem seus dados pessoais, incluindo suas doenças, para que Popoff pudesse "orar" por eles. Os cartões eram então levados para os bastidores onde sua mulher, Liz Popoff, selecionava os casos mais interessantes. Durante o show, através de um rádio, ela os transmitia a um receptor na orelha do marido e ... milagre! Ele surpreendia a platéia ao receber, "diretamente de Deus", informações sobre as pessoas presentes. Em seguida, ele rezava e implorava e, finalmente, declarava essas pessoas curadas. Muito esperto!

Infelizmente para Popoff, James Randi, o famoso mágico e desmascarador de charlatões, começou a investigá-lo. Randi estacionava uma van próximo aos locais onde Popoff estava atuando e conseguiu interceptar e gravar Liz falando com o marido. Ele os denunciou ao governo americano mas ninguém estava interessado em investigar assuntos "religiosos". Novidade... Então, em 1986 e 1987, Randi foi ao Johnny Carson's Tonight Show e revelou, publicamente, o charlatão fraudulento que Popoff era.

Quando a merda atingiu o ventilador, a quadrilha de Popoff tentou consertar as coisas às pressas, distribuindo folhetos em que afirmavam que Randi era um enviado do Diabo e assim por diante. Mas ele nunca mais recuperou seu prestígio. Que pena, não? Você pode ler a história completa no livro de Randi, "Faith Healers". Foi um avanço, mas um avanço pequeno. As pessoas, em massa, continuam acreditando, basicamente porque estão desesperadas. Mas o que é terrível é que este tipo de farsa causa sérios problemas a muita gente. Se uma pessoa está com uma doença séria, a fraude não apenas não vai curá-la mas ela deixará de receber o tratamento apropriado e que poderia dar resultado. Pior ainda, se ela não melhorar, vão lhe dizer que sua fé não foi suficiente. Ou seja, ela leva a culpa por sua própria desgraça. Horrível. Inaceitável. Seus familiares também serão encorajados a ter esperança, só para vê-la destruída depois, além de serem igualmente acusados de não ter fé bastante. Desprezível. O charlatão nunca perde, só as vítimas. Se você fica bom, ele leva a fama. Se não fica, a culpa é sua.

Um dos exemplos mais horríveis que eu já li ("Looking for a miracle", por Joe Nickell) foi o de uma mulher com câncer na espinha que foi a um "Culto do Milagre", com a curandeira Kathryn Kuhlman. Quando Kuhlman anunciou que "alguém aqui ficou curado de câncer", a mulher correu para o palco toda feliz, foi abraçada pela curandeira e jogou fora o colete que há meses sustentava sua frágil espinha. Ela sabia que estava curada (adrenalina e confiança são uma mistura poderosa). Na manhã seguinte, ela acordou cheia de dores, com medo de se mexer. Em 2 meses estava morta. As vértebras, enfraquecidas pelo câncer, não tinham resistido ao esforço da "cura". Deus seja louvado!

Explorar as aflições humanas e propositalmente roubar das pessoas suas esperanças, sua saúde e seu dinheiro, simultaneamente, é uma das maiores maldades em que se pode pensar. Para a maior parte de nós, é difícil imaginar tanta ganância e dureza de coração. Eu quase desejo que houvesse um inferno só para esses curandeiros sem escrúpulos. Mas não há. E eu fico com pena das crianças.

Traduzido por Fernando Silva

terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

A falácia do livre arbítrio


Os crentes pressupõem que Deus criou um universo perfeito e que nós, suas criaturas, também fomos criados perfeitos, mas que, usando de nosso livre arbítrio, e sabendo das consequências, decidimos pecar.

Como castigo, Deus nos expulsou do Paraíso. Entretanto, em seu infinito amor, enviou-nos seu próprio filho para ser sacrificado por nós e expiar nosso pecado, salvando-nos da morte.

Estas ideias apresentam uma série de falhas, que os crentes se obstinam em ignorar, sempre repetindo que Deus é perfeito e o erro foi nosso.

1. Adão e Eva não cometeram um pecado que justificasse tamanha punição. Se, como diz a Bíblia, eram como crianças que não conheciam o bem e o mal, também não tinham a consciência de que estavam fazendo algo tão errado.

Insistem os crentes em que Deus os avisou claramente. Sim, mas criaturas sem maldade como eles não tinham como perceber que estavam sendo enganadas pela serpente, já que a malícia e a mentira eram conceitos que eles não compreendiam. Quando muito, ao ouvi-la, concluiriam que não tinham entendido direito as palavras de Deus. E a verdade é que foi Deus, e não a serpente, que mentiu sobre os frutos da árvore do Bem e do Mal.

Podemos perfeitamente considerar que Deus preparou uma armadilha para Adão e Eva. Um pai amoroso faria de tudo para proteger seus filhos e jamais criaria perigos propositalmente. Ainda mais um pai omnisciente, que já sabia qual seria o resultado.

2. Ainda que aceitemos que Adão e Eva mereceram o castigo, este deveria atingir apenas a eles, não a seus descendentes, que deveriam ter continuado no Paraíso. Os filhos não devem pagar pelos pecados dos pais.

3. Se Deus é omnisciente, ele sabia de tudo o que aconteceria no universo que ele ainda iria criar. Ele tinha a opção de criar infinitos universos diferentes, cada um com infinitas opções de acontecimentos diferentes, mas escolheu criar este, deste jeito, com estas pessoas vivendo estas vidas. Ao se decidir por esta opção, selou nosso destino. Todas as "nossas" decisões já foram tomadas por ele.
Não temos como ser diferentes, ou estaríamos surpreendendo Deus, o que é impossível.
Não temos como fazer diferente do que Deus já sabe que vamos fazer.
Omnisciência e livre arbítrio são incompatíveis. A omnisciência cristaliza o futuro.

4. Deus não perguntou se queríamos nascer. O livre arbítrio, ainda que existisse, já estaria limitado pelas condições em que nascemos: um corpo limitado em sua capacidade e duração; uma mente e uma percepção das coisas limitadas; um local de nascimento, cultura, características físicas e uma família que não escolhemos; uma educação e as circunstâncias de nossa infância, que definem aquilo que somos como adultos, arbitrárias.
Quando nos damos conta das coisas, já estamos numa arena, obrigados a participar de um jogo no qual não pedimos para entrar, do qual não podemos sair, com regras impostas, e que pode resultar num castigo eterno se falharmos.

5. Deus só nos deu 2 opções: obedecer às suas regras arbitrárias ou sofrer eternamente. Não são regras "naturais", como dizem os crentes. Não são "provas do amor de Deus". São imposições. Não somos obrigados a amar a Deus ou gostar das opções. O que Deus faz conosco não passa de chantagem.
Não somos nós que escolhemos, "de livre e espontânea vontade", renunciar ao "amor" de Deus e ir para o inferno.
Deveríamos ter o direito de escolher nossas próprias opções, diferentes das duas que Deus nos impõe, sem sermos castigados, inclusive a de nem nascer.
Aí sim, poderíamos falar de livre arbítrio.

6. Se Deus nos criou perfeitos, então não poderíamos ter pecado, com ou sem livre arbítrio, ou não seríamos perfeitos. Seres perfeitos não decidem se tornar imperfeitos. Se Deus decidiu nos criar imperfeitos, por alguma razão, então não podemos ser condenados por falhas que não escolhemos ter.

Um ente perfeito só deveria criar a perfeição, mas:

"Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu sou o Senhor, que faço todas estas coisas" (Isaías 45:7).

"Não é da boca do Altíssimo que saem os males e a felicidade?" (Lam. 3:38).

"Dei-lhes então estatutos que não eram bons e normas pelas quais não alcançariam a vida. Contaminei-os com as suas oferendas...a fim de confundi-los" (Ezeq. 20:25-26)

7. Este trecho diz claramente que Deus faz o que lhe dá na telha e sua misericórdia não depende de nós e nossos atos:

Romanos 09:
15 Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão.
16 Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia.
17 Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra.
18 Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz.