domingo, 14 de agosto de 2005

Refutando argumentos religiosos



"Liberdade é o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem ouvir"
George Orwell

No que eu creio:

Sou ateu. Não acredito na existência de Deus.
Deus pode existir ou não. Não posso provar nem que Deus existe nem que Deus não existe. Entretanto, na falta de evidências objetivas de que Deus exista, não vou acreditar nele. Deus pode até existir, mas eu não sei se ele existe, portanto não acredito em Deus. Não estou afirmando categoricamente que Deus não existe, mas apenas que não faz sentido falar em acreditar em algo se você não sabe ao certo se a coisa existe ou não. De certa forma, portanto, sou também um agnóstico.

Ao longo deste texto, usarei o termo "teísta" para aqueles que acreditam em um deus, ou deuses de qualquer tipo. Meu objetivo é ser genérico, sem abordar nenhuma religião em particular, mas apenas o conceito de deus (que é comum à maioria das religiões do mundo, com a notável exceção do budismo). Desta forma, vou me referir a deus como "ele", porque é tradicional, mesmo que não faça sentido atribuir um gênero a um ser supremo. Este texto está dividido em uma série de argumentos que me foram apresentados por amigos religiosos com os quais eu discuti suas crenças, seguidos da minha refutação.

Refutações:

1. Se Deus não existe, me prove.
2. Se Deus não criou o universo, de onde ele veio?
3. Se Deus não existe, por que tanta gente acredita nele? Como é possível que toda essa gente esteja errada?
4. Deus é tudo e tudo está em Deus.
5. Mas eu sinto Deus em mim e em tudo a meu redor.
6. E a alma? O que acontece à sua alma quando você morre?
7. Como você explica os milagres e todos esses fatos espantosos?
8. Sem religião e crença em Deus, o mundo seria uma anarquia.
9. Por que você faz isso? Por que não respeita a opinião dos outros?

Outros pontos a considerar:

1. O problema do mal.
2. A incompatibilidade entre os conceitos de destino, livre arbítrio e a omnisciência de Deus.
3. Deus pode mudar as leis da lógica? Deus pode fazer com que 2+2=5? Como se define a omnipotência?
4. Por que você acha que é especial?
5. Deus é definido antropomorficamente.
6. Suponhamos que Deus exista. E daí?

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Refutações:

1. Se Deus não existe, me prove.
Prova por eliminação - se você não pode provar que Deus não existe, então ele existe. Parece justo, mas é uma falácia. Da mesma forma, se eu não posso provar que os deuses das outras religiões não existem, então eles existem, assim como duendes, elfos e saci pererê.
Além disto, é impossível provar que Deus não existe se assumimos que Deus é omnisciente e omnipotente. Se eu encontrasse uma prova convincente de que Deus não existe, seria perfeitamente razoável um teísta me responder que Deus permitiu que eu encontrasse aquela prova (já que ele é omnipotente) para me testar.

O importante é que também não há uma prova de que ele exista. Na falta de prova positiva quanto à existência de algo, não se pode simplesmente assumir que deve existir alguma prova. Se eu lhe dissesse que a tela do computador em que você está lendo isto agora não é apenas uma tela, mas esconde uma câmera de vídeo para lhe espionar, você provavelmente não acreditaria. Com toda a razão, você me pediria provas, mas eu também poderia exigir, do mesmo modo, que você me provasse que a câmera não estava lá. Você, naturalmente, me diria que seu monitor parece normal. Eu diria que a câmera estava escondida. Você poderia então fazer uma série de testes científicos, desmontando o monitor e analisando seus componentes. E não acharia a câmera. Não faz diferença, eu diria. Você não pode achá-la porque ela foi tornada invisível e indetectável por uma tecnologia do século 29. Agora você não tem saída. Com esta minha resposta, você não tem como provar que seu monitor não esconde uma câmera disfarçada.

Os teístas defendem a existência de Deus exatamente assim. Se eu olho para o universo, eu não vejo Deus, só o universo. Você me diz que Deus está lá, mesmo que eu não possa vê-lo. Não há nenhum método científico para detectar a existência de Deus (equivalentes aos testes para detectar a presença da câmera de vídeo escondida), portanto eu continuarei sem acreditar em você. Entretanto, eu não posso refutar sua alegação simplesmente por causa do modo como você definiu Deus. Assim como não faz sentido você acreditar na câmera invisível, também não faz sentido eu acreditar em Deus.

2. Se Deus não criou o universo, de onde ele veio?
Eu não sei de onde veio o universo. Nem você, e daí a sua necessidade de atribuir sua criação a um deus. E eu então lhe pergunto: de onde veio Deus? Você, como teísta, me dirá que Deus não precisa ter sido criado, ele apenas existe. Para mim, entretanto, de um ponto de vista racional, isto só serve para complicar o problema desnecessariamente. Você não consegue explicar como o universo surgiu e então postula a existência de algo que o criou e que, por sua vez, você não sabe explicar. Isto poderia levar a uma série de deuses infinita, o que é um modo absurdo de lidar como o problema (além disso, não há nada a favor desta tese). Por que não admitir simplesmente que o universo não precisou ser criado em vez de empurrar o problema para um nível acima? Não faz sentido afirmar que tudo tem que ter um criador e depois, arbitrariamente, dizer que Deus é uma exceção a esta regra.

Se a pessoa não entende um problema e não tem informações em que se basear para opinar sobre o problema, então não faz sentido inventar uma teoria a respeito e simplesmente assumir que ela é válida até que alguém prove o contrário. A pessoa estará fingindo saber de algo que ela não sabe e perderá a motivação para estudar mais sobre o assunto. Se não sabe, não invente, pesquise. Se não quer pesquisar, diga apenas "Não sei".

3. Se Deus não existe, por que tanta gente acredita nele? Como é possível que toda essa gente esteja errada?
A maioria das pessoas acredita em Deus, é verdade. Mas por quê? Deixe-me inverter a questão. Por que você acredita em Deus? De onde vem sua crença?
Você nasceu com ela? Não.

Todo mundo, na prática, nasce ateu. Um bebê não sabe nada. Não tem nenhuma idéia de Deus, ou de sua mãe, ou mesmo do fato de que ele é uma criança. Conhecimento e consciência vêm com a experiência. As pessoas, em geral, recebem sua fé durante sua educação. Se isto não fosse verdade, os demógrafos (cientistas que estudam estatísticas populacionais) não seriam capazes de criar aqueles belos mapas coloridos que você vê nos atlas e livros de geografia mostrando a distribuição das religiões mundiais. A religião costuma ser ensinada nas escolas, a prática religiosa está firmemente entranhada nas sociedades e mesmo pessoas que não se consideram "religiosas", costumam admitir que há um deus, pelo menos no sentido de uma "realidade superior".

Não estou dizendo que todos os que acreditam em Deus são idiotas. A religião é um fenômeno social, e fenômenos sociais são muito difíceis de mudar. Vejamos um outro exemplo. Até recentemente, era universalmente aceito (em todas as culturas, embora algumas costumem negar isto) que homens são intelectualmente superiores às mulheres. Por toda a história, houve papéis masculinos e papéis femininos, e o papel do macho sempre foi dominante. Mesmo hoje, isto é a norma em muitos casos (quantos chefes de Estado são mulheres?). Para a maioria de nós, hoje em dia, esta atitude é, além de obviamente errada, estúpida. Usando-se o argumento de que, desde tempos imemoriais, o homem sempre acreditou em poderes superiores e que, portanto, tal poder DEVE existir, chega-se também à conclusão de que as mulheres são inferiores ao homem, já que sempre foi assim.

Mudar a atitude com relação às mulheres não tem sido fácil e o preconceito persiste, embora muito tenha sido feito nos últimos 2 séculos. Mudar a atitude com relação à religião também é muito difícil. As pessoas estão mudando, mas é um processo lento e uma luta constante.

Só para reforçar a tolice deste argumento, vamos considerar a idéia da Terra como o centro do universo. Os objetos celestes realmente parecem girar em torno dela. O trabalho conjunto de Copérnico, Kepler e Newton mostrou que é a Terra que gira em torno do Sol. Mas, mesmo assim, muitos não acreditaram. A Igreja Católica foi contra e mais tarde prendeu Galileu Galilei por defender essa teoria.

Levou muito tempo até que a crença na Terra como o centro do universo perdesse a força. E, contudo, seria ridículo dizer que todas essas pessoas eram idiotas. A sociedade e a sabedoria que se recebe dela têm enorme poder sobre o pensamento humano, especialmente no caso de pessoas com pouca instrução. É comum descobrir que, em sociedades religiosas, há mais ateus e agnósticos nos grupos com educação superior do que no resto da população. A ignorância produz certezas, o conhecimento crescente leva a dúvidas crescentes.

4. Deus é tudo e tudo está em Deus.
Este argumento não faz sentido. É uma tautologia, ou seja, apenas afirma que "tudo é tudo", só que usando mais palavras. Se você pensar bem a respeito, na verdade não significa nada, exceto que iguala Deus ao universo e já discutimos isto no início. Esta visão de Deus é conhecida como panteísmo.

5. Mas eu sinto Deus em mim e em tudo a meu redor.
Você pode sentir Deus, tudo bem, mas o que isto lhe diz sobre a realidade? Suas emoções não afetam a realidade externa e assumir que afetam é como se considerar o centro do universo. Como disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, "uma visita ao hospício mostra que a fé não prova nada". O fato de um esquizofrênico achar que todos querem matá-lo não prova que isto é verdade. E você é muito diferente de um esquizofrênico. Eles têm um desequilíbrio químico em seus cérebros que gera essas crenças estranhas. Entretanto, não há dois cérebros iguais e, de certa forma, poderíamos dizer que cada um de nós tem algum tipo de desequilíbrio. Sua fé, suas crenças e seus sentimentos têm a mesma validade como prova de coisas reais que no caso de um esquizofrênico.

Em segundo lugar, mesmo que você pudesse extrapolar a partir de suas experiências subjetivas sobre o que você sente que é a realidade, o que tornaria seus sentimentos sobre Deus mais válidos que os meus? Neste planeta, há muitos sentimentos diferentes sobre o que é Deus, o que invalida o argumento. Deus não pode ser, ao mesmo tempo, a realidade superior omnipresente de um panteísta, o velho barbudo das crianças cristãs e ainda não existir, como supõem os ateus e budistas. São idéias incompatíveis.

6. E a alma? O que acontece a sua alma quando você morre?
O que é "alma"? O que você entende por isto? A maioria das pessoas têm apenas uma idéia vaga do que ela seja, mas costumam usar a palavra para significar a personalidade humana. De onde vem a personalidade humana? Há consideráveis evidências indicando que ela seja uma propriedade do cérebro. Se você danifica uma área do cérebro, sua personalidade pode se alterar bastante. Quando você morre, o que acontece a seu cérebro? Ele apodrece ... o que é um dano considerável. Sem oxigênio, as células cerebrais morrem e os impulsos eletroquímicos entre elas, que constituem seus pensamentos, seus conhecimentos, suas memórias, suas emoções e sua personalidade, cessam de existir. Você não mais existe como "pessoa". E não sobra nada de sua "alma".

Em segundo lugar, se você acredita em uma alma imortal, o que se torma imortal? Já mostramos acima que aquilo que você é depende da configuração física de seu cérebro. Seus sentimentos, crenças, personalidade etc. deixam de existir após a morte. Há algum mecanismo que leve estes complexos atributos para o pós-vida? Qual é? Como alguém pode afirmar que uma coisa tão espantosa existe e não ser capaz de explicar como funciona ou provar que existe? Além disto, sua "alma" está sempre mudando durante a vida. Qual "alma" é preservada pela eternidade? A dos 6 anos? Dos 16? Dos 60? Ou o estado em que sua alma está quando você morre? E se você morrer esquizofrênico? Sua alma será esquizofrênica ou será o que era antes da doença? Você se torna uma pessoa diferente a cada momento.

Se a alma é algo mais que suas crenças, personalidade e sentimentos, o que você entende por "alma"? Crenças, personalidade e sentimentos são o que o torna um indivíduo único. Se é alguma outra coisa que é preservada, então sua individualidade não sobrevive, ela é apenas algo que é comum a todas as pessoas, uma espécie de "força vital", não sua "alma". Este conceito de "força vital" já está totalmente desacreditado, totalmente refutado pelos enormes avanços que a ciência fez durante o século XX. nos campos da biologia molecular e celular. E ainda há perguntas sem resposta, muitas das quais nem vêm à mente dos que acreditam num pós-vida. O que faz essa alma quando se torna eterna? O que significa ser eterno? Ela se reencarna? Se sim, quais aspectos da pessoa se reencarnam? Como afirmar que uma pessoa é a reencarnação de outra? Ou é apenas o karma, ou seja, os pesos relativos de suas boas e más ações, que passa de uma vida para a outra? Se você acredita que a alma se torna parte de Deus, o que isto realmente significa? Como é possível acreditar em um conceito tão complexo sem nenhuma evidência, sem se fazer todas estas perguntas?

A maioria das pessoas que acreditam em coisas assim em geral não tem a mínima idéia de seu significado. Em resumo, não faz sentido se preocupar com um pós-vida quando não sobra nada de nós para viver nessa outra dimensão. Ou se não há evidências de que ela exista.

7. Como você explica os milagres e todos esses fatos espantosos?
As pessoas passam a vida reparando em coincidências. São experiências incomuns e causam uma forte impressão, portanto as pessoas não as esquecem. Elas colecionam essas coincidências memoráveis por toda a vida e se esquecem de todas as vezes em que coisas espantosas não aconteceram. Quando essas coincidências são reunidas em livros sobre o sobrenatural, OVNIs etc., elas parecem ter um peso bastante convincente, mas É PRECISO levar também em conta todas as vezes em que coincidências não ocorreram. Coincidências podem acontecer por acaso. Além disto, muitas delas podem ser falsas. Infelizmente, as pessoas são muito crédulas. Há prêmios oferecidos para quem apresentar quaisquer evidências de fenômenos sobrenaturais, ainda que pequenos. Ninguém conseguiu provar nada, até hoje. A pergunta é: por quê? Por que será que nenhum místico, astrólogo ou vidente jamais conseguiu que suas habilidades fossem provadas pelos cientistas que se dedicam à parapsicologia? O interesse do público por este assunto é tão grande que qualquer comprovação se espalharia pela mídia como um incêndio.

Sorte e acaso são coisas espantosas e, às vezes, tão espantosas que é difícil para nós atribuir fatos estranhos ao simples acaso. Mas a natureza é aleatória, como postula o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Mesmo Albert Einstein, talvez um dos maiores cientistas que já viveu, passou a segunda metade de sua vida tentando refutar Heisenberg e quase todo o resto da Mecânica Quântica (o campo da física que descreve as interações de partículas muito pequenas), e disse que "Deus não joga dados". Acabou tendo que admitir que estava errado e aceitou as teorias. Se ele estava errado sobre isto, talvez estivesse errado também (e eu acho que estava) sobre a existência de Deus (N.T: ele próprio negou acreditar em Deus. Ou mudou de idéia ao longo da vida ou sua frase era apenas retórica).

8. Sem religião e crença em Deus, o mundo seria uma anarquia.
Uma afirmação interessante e frequente. O argumento contém sua própria refutação, pois implica em que a religião funciona como uma ferramenta de controle social. A desumanidade desta atitude foi condenada por Albert Einstein, cujas palavras se seguem:

"O comportamento ético de um homem deveria realmente se basear no respeito pelos outros, educação e laços sociais. Uma religião não é necessária. O homem seria bem limitado se tivesse que ser controlado pelo medo da punição e a esperança de recompensa após a morte".

A compaixão religiosa, se for motivada apenas pelas razões acima, não passa de uma forma hipócrita de egoísmo piedoso. Claro que isto nem sempre é o caso e há muita gente que ajuda os outros desinteressadamente, não por causa da religião mas devido à sua preocupação intrínseca com o bem estar dos outros.
Quantas pessoas foram mortas em nome da religião?

A idéia de que uma sociedade sem religião é uma sociedade perversa é ingênua e arrogante. Preocupar-se com outras pessoas, preocupar-se com todas as pessoas, simplesmente porque são humanas, sem esperar recompensa ou castigo, é que é a verdadeira virtude.
As religiões costumam incluir em seu "pacote" de preceitos as regras básicas de moral da sociedade que as pratica, e isto pode fazer diferença no caso de quem não tem nenhum padrão de moral, talvez por falta de uma educação adequada, mas também incutem nas pessoas um monte de conceitos errados. Uma educação adequada, por uma família normal, costuma fornecer uma base ética e moral para as pessoas, sendo a religião totalmente dispensável e às vezes até prejudicial.

9. Por que você faz isto? Por que não respeita a opinião dos outros?
Isto é muito simples de explicar: não se pode ter uma opinião subjetiva da realidade. A realidade ou é isto ou é aquilo. Deus existe ou não existe. A existência de uma coisa é uma questão de lógica, não de simpatia pela idéia de que ela exista. Não é um conceito subjetivo como "beleza". Cada um pode ter uma opinião diferente sobre o livro "Alice no País das Maravilhas", por exemplo, mas não pode haver opiniões diferentes sobre a existência do livro. Ou ele existe ou ele não existe, e só uma destas duas opiniões é válida. A questão da existência deste livro é fácil de resolver. A questão da existência de Deus é bem mais complicada.

Um outro ponto é que uma opinião não merece respeito só porque alguém a considera válida. A maioria das pessoas têm opiniões que elas receberam de outros e nunca questionaram a fundo. Este tipo de opinião não tem valor enquanto não for analisada e provada. Devemos aceitar a opinião de Hitler sobre os judeus apenas porque é a opinião dele?

Outros pontos a considerar

1. O problema do mal.
A maioria das pessoas religiosas acredita na existência do mal. Mesmo se você não acredita no mal, ainda há a questão do sofrimento
Um ponto central das crenças cristã, islâmica e judaica é que só há um deus. Ele é todo-poderoso, omnisciente e infinitamente bom. Se alguém sofre, então, como esse deus tão bom permite que o sofrimento continue? Se um ser humano tem os meios de ajudar alguém que está sofrendo e não o faz, não podemos dizer que ele é inteiramente bom.

Deus conhece o sofrimento de todos os seres humanos. Do sofrimento de uma criança vendida como escrava na África ao de um milionário morrendo de câncer num hospital particular de um país rico e o da mulher que apanha todos os dias de seu marido bêbado.

Ele sabe de tudo isto. Ele também sabe como acabar com esse sofrimento, já que ele sabe de tudo, e pode fazê-lo, já que é todo-poderoso. Se ele é infinitamente bom, ele deveria QUERER fazê-lo. Então, por que ele não faz?
Nenhum deus que permita tal sofrimento (e é claro que há sofrimentos ainda maiores que os citados), mesmo tendo a capacidade de acabar com ele, pode ser considerado bom. Deus, segundo esta análise, não atende nem aos mais básicos padrões de moral. A afirmação de que "Deus é onipotente. Deus é infinitamente bom. O mal existe" é logicamente contraditória.
Argumentar que "os caminhos de Deus são incompreensíveis" é apenas fugir da questão e assumir, convenientemente, que tudo se explicará um dia, de alguma forma.

Argumentar que a culpa é do próprio homem, que cometeu o "pecado original" e forçou Deus a expulsá-lo do Paraíso, implica em aceitar que:
-Adão e Eva existiram e comeram da Árvore do Bem e do Mal, o que, até prova em contrário, não passa de lenda.
-Adão e Eva foram castigados, embora, por mais que Deus os tivesse alertado, não tivessem malícia e não pudessem duvidar das palavras da serpente, uma criatura de Deus que vivia com eles no Paraíso.
-Temos livre arbítrio e podemos contrariar a vontade de Deus, o que nos leva ao item a seguir.

2. A incompatibilidade entre os conceitos de destino, livre arbítrio e a omnisciência de Deus.
As religiões ocidentais - islamismo, cristianismo, judaísmo - acreditam no conceito de julgamento. Quando nós morrermos, seremos julgados conforme nosso comportamento aqui na terra. Isto implica em que temos livre arbítrio, ou seja, Deus nos fez livres para tomarmos nossas próprias decisões, caso contrário, como ele poderia nos julgar? Só que isto levanta outro problema. Se Deus é omnisciente, ele sabe de tudo. Absolutamente tudo o que você já fez, está fazendo e vai fazer. De certa forma, você não tem vontade própria, já que, se Deus conhece o futuro, nada que você faça com seu "livre arbítrio" vai ter importância. O futuro está predeterminado porque Deus já o conhece. Ele criou o mundo deste jeito, já sabendo das consequências. Você não tem como surpreender a Deus fazendo diferente do que ele criou você para fazer. Para os teístas, portanto, resulta logicamente que tudo é determinado pelo "destino". A conclusão é que, se você não tem escolhas de verdade na vida, você não pode ser julgado pelo que fez.

Mais uma vez, temos que conviver com uma contradição. A omnisciência de Deus e o livre arbítrio humano são logicamente contraditórios. E, contudo, o teísta afirma que os dois são verdadeiros.

3. Deus pode mudar as leis da lógica? Deus pode fazer com que 2+2=5? Como se define a omnipotência?
Esta pergunta pode parecer tola, mas não é. 2+2 nunca poderão ser 5, a menos que você altere o sentido da palavra "cinco" para significar 4, mas, neste caso 2+2 ainda serão 4, só que você estará usando outro nome para 4. O nome que damos às coisas não modifica a realidade. Portanto, não basta dizer que Deus é omnipotente. Temos que dizer que é omnipotente mas limitado pelas leis da lógica. Portanto, a lógica é algo que Deus criou e a que agora tem que obedecer? Ou a lógica existe independentemente de Deus?

4. Por que você acha que é especial?
As pessoas em geral não percebem sua insignificância em relação ao universo. Você é apenas um entre mais de 6 bilhões de habitantes do planeta. O planeta terra é apenas um dos 9 planetas que orbitam o sol, por sua vez uma estrela de tamanho médio num dos braços da galáxia conhecida como Via Láctea. Nossa galáxia contém uns 200 bilhões de estrelas e também pulsares, buracos negros e muitos outros objetos espantosos. E o universo tem entre 100 e 200 bilhões de galáxias, com uma média de 100 bilhões de estrelas cada uma. Além disto, a cada momento novas estrelas se formam. O universo está continuamente se expandindo, desde o Big Bang.

Que importância nós temos? Por que a maioria das religiões assume que nós, neste planeta insignificante, uma espécie entre milhões, somos os escolhidos? E por que assumem que nós somos o ápice da evolução? Sim, podemos ser os organismos mais complexos neste planeta quanto ao cérebro e seu funcionamento, mas não os fisicamente mais aptos. E a evolução não parou. É um processo contínuo, embora esteja sendo influenciada pelo fato de que a humanidade tende a modificar o ambiente em vez de se adaptar a ele.

5. Deus é definido antropomorficamente.
De acordo com católicos, judeus e islâmicos, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. O que isto realmente significa? Existe realmente um Deus lá fora que é humanóide? E por quê? De que lhe serviriam olhos, ouvidos e nariz - órgãos sensoriais - se ele já sabe tudo? Deus tem apêndice? São perguntas infantis, claro, mas há algo mais sério que isto.

Supõe-se que Deus seja totalmente bom. Supõe-se que ele seja misericordioso, compassivo. Que perdoe. Mas o deus das religiões ocidentais exige louvor e adoração. Ele castiga os que "pecam". Visto assim, Deus é realmente antropomórfico. Bondade e compaixão são características humanas. Exigir adoração e castigar também são características humanas, só que não são louváveis, então por que seriam louváveis quando se trata de um deus?

O próprio fato de que descrevemos Deus antropomorficamente sugere que nós o criamos. Ou, pelo menos, que atribuímos a ele qualidades que ele não tem e não pode ter. Por exemplo: que ele é masculino, que ele se zanga, se arrepende, se entristece ou tem ciúmes.

6. Suponhamos que Deus exista. E daí?
Mesmo que aceitemos que existe um deus, continuaremos sem saber de onde veio o universo e por que ele é assim. Dizer que "Deus o criou" é uma alegação vaga, sem justificativas.

E por que Deus o criou? Com que finalidade? Para ter alguém que o amasse e louvasse? E por que um ser infinito precisaria disto? Por que um ser completo e infinito precisaria de alguma coisa? Como definir esse deus? Como reconhecê-lo se ele se apresentar a nós? Como distinguí-lo de um extraterrestre cujos poderes estão além de nossa compreensão?

Será que ele ainda existe? Será que ainda se preocupa conosco?
Devemos assumir que tudo o que ele faz é necessariamente bom, mesmo que não possamos entender, mesmo que não nos agrade, mesmo que nos pareça injusto? Talvez ele planeje nos eliminar um dia, sem deixar vestígios, sem irmos para o céu ou para o inferno. Quem somos nós para questioná-lo? Ou lhe dizer o que é justo ou injusto?

Será que somos tão importantes aos olhos dele quanto pensamos? E se formos apenas detalhes num universo criado para abrigar uma outra raça, a verdadeira raça escolhida? E se estivermos destinados a ser escravos desta raça? Ou servir de alimento a ela?

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Email do autor: ninja@refutation.org.
Traduzido e adaptado por Fernando Silva (lochnar@ig.com.br)