terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

A falácia do livre arbítrio


Os crentes pressupõem que Deus criou um universo perfeito e que nós, suas criaturas, também fomos criados perfeitos, mas que, usando de nosso livre arbítrio, e sabendo das consequências, decidimos pecar.

Como castigo, Deus nos expulsou do Paraíso. Entretanto, em seu infinito amor, enviou-nos seu próprio filho para ser sacrificado por nós e expiar nosso pecado, salvando-nos da morte.

Estas ideias apresentam uma série de falhas, que os crentes se obstinam em ignorar, sempre repetindo que Deus é perfeito e o erro foi nosso.

1. Adão e Eva não cometeram um pecado que justificasse tamanha punição. Se, como diz a Bíblia, eram como crianças que não conheciam o bem e o mal, também não tinham a consciência de que estavam fazendo algo tão errado.

Insistem os crentes em que Deus os avisou claramente. Sim, mas criaturas sem maldade como eles não tinham como perceber que estavam sendo enganadas pela serpente, já que a malícia e a mentira eram conceitos que eles não compreendiam. Quando muito, ao ouvi-la, concluiriam que não tinham entendido direito as palavras de Deus. E a verdade é que foi Deus, e não a serpente, que mentiu sobre os frutos da árvore do Bem e do Mal.

Podemos perfeitamente considerar que Deus preparou uma armadilha para Adão e Eva. Um pai amoroso faria de tudo para proteger seus filhos e jamais criaria perigos propositalmente. Ainda mais um pai omnisciente, que já sabia qual seria o resultado.

2. Ainda que aceitemos que Adão e Eva mereceram o castigo, este deveria atingir apenas a eles, não a seus descendentes, que deveriam ter continuado no Paraíso. Os filhos não devem pagar pelos pecados dos pais.

3. Se Deus é omnisciente, ele sabia de tudo o que aconteceria no universo que ele ainda iria criar. Ele tinha a opção de criar infinitos universos diferentes, cada um com infinitas opções de acontecimentos diferentes, mas escolheu criar este, deste jeito, com estas pessoas vivendo estas vidas. Ao se decidir por esta opção, selou nosso destino. Todas as "nossas" decisões já foram tomadas por ele.
Não temos como ser diferentes, ou estaríamos surpreendendo Deus, o que é impossível.
Não temos como fazer diferente do que Deus já sabe que vamos fazer.
Omnisciência e livre arbítrio são incompatíveis. A omnisciência cristaliza o futuro.

4. Deus não perguntou se queríamos nascer. O livre arbítrio, ainda que existisse, já estaria limitado pelas condições em que nascemos: um corpo limitado em sua capacidade e duração; uma mente e uma percepção das coisas limitadas; um local de nascimento, cultura, características físicas e uma família que não escolhemos; uma educação e as circunstâncias de nossa infância, que definem aquilo que somos como adultos, arbitrárias.
Quando nos damos conta das coisas, já estamos numa arena, obrigados a participar de um jogo no qual não pedimos para entrar, do qual não podemos sair, com regras impostas, e que pode resultar num castigo eterno se falharmos.

5. Deus só nos deu 2 opções: obedecer às suas regras arbitrárias ou sofrer eternamente. Não são regras "naturais", como dizem os crentes. Não são "provas do amor de Deus". São imposições. Não somos obrigados a amar a Deus ou gostar das opções. O que Deus faz conosco não passa de chantagem.
Não somos nós que escolhemos, "de livre e espontânea vontade", renunciar ao "amor" de Deus e ir para o inferno.
Deveríamos ter o direito de escolher nossas próprias opções, diferentes das duas que Deus nos impõe, sem sermos castigados, inclusive a de nem nascer.
Aí sim, poderíamos falar de livre arbítrio.

6. Se Deus nos criou perfeitos, então não poderíamos ter pecado, com ou sem livre arbítrio, ou não seríamos perfeitos. Seres perfeitos não decidem se tornar imperfeitos. Se Deus decidiu nos criar imperfeitos, por alguma razão, então não podemos ser condenados por falhas que não escolhemos ter.

Um ente perfeito só deveria criar a perfeição, mas:

"Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu sou o Senhor, que faço todas estas coisas" (Isaías 45:7).

"Não é da boca do Altíssimo que saem os males e a felicidade?" (Lam. 3:38).

"Dei-lhes então estatutos que não eram bons e normas pelas quais não alcançariam a vida. Contaminei-os com as suas oferendas...a fim de confundi-los" (Ezeq. 20:25-26)

7. Este trecho diz claramente que Deus faz o que lhe dá na telha e sua misericórdia não depende de nós e nossos atos:

Romanos 09:
15 Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão.
16 Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia.
17 Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra.
18 Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz.