domingo, 30 de julho de 2006

Detesto dar carona


Conheço muita gente que adora dar carona. Gostam de ter alguém com quem conversar, gostam de saber que terão ajuda em caso de enguiço ou pneu furado. Só que nem todo mundo é assim. Eu, por exemplo.

Quando dirijo, principalmente se o caminho é bem conhecido, mergulho em meus pensamentos e me desligo do mundo, a ponto de nem me lembrar do trajeto mais tarde. Ou então vou ouvindo música.

Com um carona, entretanto, sou obrigado a dar atenção a alguém. Perco minha privacidade e não posso me desligar e relaxar.
O carona insiste em puxar papo, em geral sobre assuntos que não me interessam, ainda que eu responda apenas com monossílabos para ver se ele se manca.

Eu não me ofereço para dar carona, são eles que se impõem. E, pelo seu comportamento, parece até que estão me fazendo um grande favor:

-Nunca aparecem na hora marcada. Se o combinado é 07:00, aparecem na maior tranquilidade às 07:20, dizendo que havia um grande engarrafamento no caminho. Só que isto acontece todos os dias e eles já deveriam saber que era para sair de casa mais cedo.

-Pior ainda se é você que tem que passar pela casa deles: nunca estão a postos na hora combinada e você tem que esperar em lugares inseguros ou se arriscando a uma multa, além de ser xingado por atrapalhar o trânsito e bloquear portas de garagem. E aparecem calmamente, falando ao celular, fazendo você se sentir como se fosse o motorista deles.

-O mesmo acontece na hora de voltar para casa: quando todo mundo já foi embora e só resta você no estacionamento, lá vêm eles dizendo que tiveram que atender a uma ligação de última hora ou que o chefe os segurou até mais tarde.

-Querem descer nos lugares mais inconvenientes, obrigando você a sair de seu trajeto e esperar com ônibus acelerando atrás de você ou carros buzinando enquanto eles recolhem seus cacarecos sem pressa. E depois tem que fazer malabarismos para retornar à sua pista (de onde nunca deveria ter saído).

-Querem abrir a janela ("Não gosto de viajar de janela fechada", dizem, como se fosse o gosto deles que importasse).

-Chegam fedendo a suor ou cigarro e empesteiam tudo. Alguns ainda têm a cara de pau de perguntar se podem fumar.

-Tossem, espirram, pigarreiam, batucam, cantarolam. Parecem ter horror ao silêncio.

-Caronas me obrigam a tirar as coisas do banco do passageiro, onde estão à mão, e passar tudo para o banco de trás, onde vão se perder no meio de outras coisas.

-Caronas pesam. E seu peso reduz o desempenho do carro, desgasta a suspensão e os pneus e aumenta o consumo de combustível, mas nunca lhes ocorre ajudar quando você vai abastecer, mesmo que tenham sido um peso morto a bordo por semanas a fio.

-Querem que você ligue o som quando você está a fim de silêncio. Se você liga, reclamam do seu gosto ou começam a puxar assunto sobre o que você está ouvindo (impedindo-o de ouvir...). Se há mais de um chato, conversam entre si. Se você aumenta o volume para tentar ouvir alguma coisa, falam mais alto ainda para abafar (motivo pelo qual não ligo mais o som quando tenho caronas).

-Caronas insistem em mexer em tudo: na posição do banco, na regulagem da ventilação, abrem e fecham a janela, dão puxões violentos no cinto de segurança e acabam estragando alguma coisa. Claro que nunca se oferecem para lhe pagar: "Pô, foi mal, aí. Ih, lá vem meu ônibus, tchau!".

Mas será que não há no mundo alguém que você gostaria de ter a seu lado? Claro que sim, só que:

-Já tem carona.
-Já tem carro.
-Mora em outro bairro ou o horário é diferente.

Pode ser que um dia, finalmente, aquela pessoa especial precise da sua carona. Instantaneamente, algum chato se materializa do nada, dizendo: "Aí, hoje eu vou com você!".
Note que ele não pergunta se pode ir, ele afirma que vai, confortável na intimidade que julga ter conquistado com as outras vezes em que estragou sua viagem.
E vai tratar de exibir esta intimidade ao longo do trajeto, se metendo na conversa, se comportando como se seu carro fosse a casa dele.

Não adianta reclamar, não adianta dizer, explicitamente, o que você pensa dele. Chatos são imunes a críticas. Vão rir na sua cara e responder, sorridentes: "Eu sei que você não está falando de coração! Você sente a minha falta!"

Aaaarrghh!!