sábado, 7 de maio de 2005

Ateísmo positivo

Uma religião afirma coisas. O ateísmo, em geral, nega coisas. Poderíamos dizer que
religiões são positivas e o ateísmo é negativo. Ele não se define por valores próprios
mas pela negação dos valores das religiões. Para que o ateísmo se torne positivo (ou
afirmativo) é preciso mostrar que há vantagens em não se ter um deus e uma crença
religiosa. De modo geral, a escolha certa é aquela que nos faz feliz ou, pelo menos,
nos ajuda a enfrentar a vida. Uma religião pode não ter nenhuma base lógica mas
adotá-la se justifica se seus efeitos em nossa vida são positivos. Religiões nos
trazem esperança, nos convencem de que há justiça no universo. Seremos um
dia recompensados pelo bem que fizermos e o mal será punido. A morte não é
mais o fim, apenas a passagem para uma vida melhor.

Por outro lado, religiões nos trazem o medo da punição, a culpa por termos feito ou
deixado de fazer alguma coisa que, na verdade, não prejudica nem beneficia ninguém.
Elas nos levam a nos humilharmos e nos autodesvalorizarmos diante de Deus. Exigem
que paguemos por supostos pecados com penitências que em nada enriquecem
a comunidade ou o próprio indivíduo. Geram intolerância e rejeição dos que têm outra fé,
condenam as atitudes nos outros só porque contrariam o que está no "livro sagrado" etc.
Até que ponto é preciso se ater ao que está escrito sem se tornar um fundamentalista?
A doutrina é confusa e há muitos modos de interpretá-la. É louvável e meritório ser virtuoso
apenas por medo do inferno? Qual religião é a verdadeira, entre tantas? A fé nos leva a agir
sem pensar, a seguir dogmas sem discutir sua validade. Precisamos da razão e da
dúvida constante para limitar nossos erros, para questionarmos constantemente
nossas decisões.

Ateus não seguem dogmas. Procuram pensar com a própria cabeça e fazer o que lhes
parece certo, porque é certo e não porque "está escrito", nem porque esperam uma
recompensa em outra vida ou têm medo do inferno. Embora tenham defeitos como
todo ser humano, estão livres para ser mais tolerantes em relação ao que os outros
pensam, porque acham que opinião própria é o direito de cada um. Eles não têm uma
religião que lhes diga, a priori e sem justificativas, o que aceitar ou não. Não têm
nenhum motivo, além de possíveis razões pessoais, para discriminar mulheres ou
homossexuais. Podem se dedicar mais a melhorar este mundo, o único que eles
conhecem, em lugar de apenas esperar pela hora de ir para o céu, sem o conformismo
de aceitar que "as coisas são assim mesmo" ou "é a vontade de Deus". Não desperdiçam
a vida em orações improdutivas fechados em um convento. Um ateu não se vê como um
joguete na luta entre Deus e o Diabo pela sua alma; ele é o único responsável pelos seus
atos. Ele tem toda a culpa pelos seus erros e todo o mérito pelos seus acertos.

Religiões oferecem respostas a todas as dúvidas e regras de conduta para qualquer
ocasião. Ateus têm que pensar com a própria cabeça e tirar suas próprias conclusões,
o que os ajuda a refletir melhor e mais profundamente antes de decidir. Respostas
simplistas levam a mentes simplistas mas, é claro, muitos preferem a segurança de um
dogma à incerteza de uma busca por respostas. É por isto que não se deve tentar
"desconverter" as pessoas. Quando e se elas estiverem prontas, irão procurar
respostas fora de sua religião.

Pessoas religiosas que preferem ignorar os mandamentos de seus "livros sagrados"
que lhes parecem excessivos ou cruéis estão agindo como ateus, pensando com sua
própria cabeça e seguindo sua razão, embora muitas vezes nem se dêem conta disto.

Ateus devem se policiar, entretanto, para não repetir os erros das religiões. Devem
respeitar as escolhas dos crentes, por mais obtusas que lhes pareçam. Quando
instados a defender sua posição, destacar os aspectos positivos do ateísmo, como
a liberdade de escolha e a racionalidade, evitando atacar os aspectos negativos desta
ou daquela religião ou duvidar da inteligência do interlocutor.

Sim, é possível ser um ateu militante. Pode até ser necessário, como forma de defender
sua liberdade de expressão num mundo ameaçado pelo fundamentalismo.
Mas é preciso levar em conta que uma postura agressiva só reforçará os estereótipos
do "ateu revoltado e perverso", do "ateu sem moral e sem limites". Contra a fé, a razão
nem sempre faz efeito. Comecemos confundindo os crentes, sendo o oposto daquilo
que eles esperam de nós. Sejamos honestos, prestativos e respeitadores das leis.

Aos poucos, e com cuidado para evitar a rejeição, procuremos despertar nos religiosos
a consciência de que a "verdade" deles não é a única. Que é possível ser feliz e decente
sem um deus. Que a crença em deuses não fez da humanidade um lugar melhor, talvez
muito pelo contrário.

Não é possível desconverter uma pessoa de fora para dentro, mas podemos torná-la
mais tolerante. Fazê-la entender que há outros modos de pensar igualmente aceitáveis.
Que a crença delas não é uma escolha óbvia e que ninguém se torna um pervertido,
condenado ao inferno, por não adotá-la. Fazê-la entender que não é possível "rejeitar"
um deus em que não se acredita.

(inspirado em Paul O'Brien - "Gentle Godlessness")

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