terça-feira, 12 de outubro de 2004

Carta a um crente

CARTA A UM CRENTE

Acho interessante debater com crentes. Eles sempre me fazem pensar, chamam-me a
atenção para coisas que ainda não haviam me ocorrido. Assim, eu aos poucos vou
percebendo os "buracos" em minha argumentação e os vou preenchendo.
Mas eu sei que não vou lhe convencer de nada. Quando a religião entrou em sua
cabeça, ela se fechou para qualquer argumento em contrário. Você não desligou o
cérebro: ainda é capaz de discutir sobre futebol - e aceitar a opinião dos outros.
Ou debater um problema de geometria e também concluir que sua idéia inicial estava
errada. Mas, se o assunto for religião, nada o fará mudar de idéia. Você está certo,
os outros estão errados. A possibilidade de que você possa ter se enganado lhe
parece absurda. Se você se dispõe a debater comigo é porque acha que vai me
convencer facilmente. Suas "verdades" são tão "evidentes" que não há como eu
não aceitá-las.

Venho debatendo com crentes há anos e concluí que há um "roteiro" comum a
todos os casos. Veja o que vai acontecer:

1) Você vai se mostrar chocado com o fato de eu não acreditar em Deus ou achar
que Jesus pode não ter existido. Vai me perguntar o que foi que me levou a
rejeitar Jesus. Vai afirmar, mesmo sem me conhecer, que eu sou amargo, triste
e tenho muita revolta no coração.

2) Eu vou apresentar meus argumentos. Vou explicar que eu não posso rejeitar
uma coisa em que eu não acredito, que não sou amargo nem revoltado.

3) Em lugar de me contestar com idéias, você vai despejar citações bíblicas em cima
de mim, embora já devesse saber que eu não acredito em que a Bíblia seja inspirada
por nenhum deus e que você conseguiria o mesmo resultado citando o Alcorão ou
os Vedas, ou seja, nenhum.
É claro, se eu me enganar ao citar a Bíblia, você pode me corrigir, mas nunca
argumentar que sua religião é a verdadeira "porque está na Bíblia". Você tem
que provar muitas outras coisas antes disto.

4) Eu vou lhe responder citando outras passagens que dizem o contrário daquelas
que você enviou. Você responderá que essas que eu mandei são casos particulares.
Só se aplicam a uma determinada pessoa, a um determinado caso ou só eram válidas
naquela época.

5) Eu vou lhe mostrar que a Bíblia está cheia de besteiras e contradições. Você vai
responder que eu entendi tudo errado. Quando Jesus disse isto, na verdade ele
queria dizer aquilo e assim por diante, mas você não vai conseguir explicar por que
a sua interpretação, e não a minha, é que está certa.

6) Talvez eu consiga convencê-lo de que há coisas estúpidas e inaceitáveis na Bíblia,
mas você vai dizer que é preciso considerar um tal de "contexto", que o importante
é perceber uma suposta "mensagem" que Deus quis transmitir, que nós não temos
como entender as razões de Deus e devemos aceitar o que ele faz sem discutir.

7) Você vai falar de milagres, de curas inexplicáveis, vai tentar me convencer de que
Deus criou o universo em 6 dias e que a evolução é uma mentira. Vai me enviar um
monte de textos ridículos tentando provar suas afirmações e vai ficar revoltado
quando eu rebater tudo, ponto por ponto.

8) Talvez você até admita que religiões só causam problemas - mas alegará que você
não segue nenhuma religião, nenhuma denominação. Você dirá que segue as
palavras de Jesus, não as religiões criadas pelos homens.

9) Quando a coisa se complicar para o seu lado, você vai começar a responder como
se nem tivesse lido direito o que eu escrevi. Em alguns casos, vai até distorcer
minhas palavras. Eu sei que você não estará fazendo isto de má fé. É a sua cabeça
que se recusa a examinar conceitos que contrariam os dogmas que enfiaram nela.
Minhas palavras lhe parecerão tão absurdas, tão blasfemas, que você nem mesmo
conseguirá pensar nelas, quanto mais argumentar. E você despejará mais citações
bíblicas que não significam nada.

10) Mais cedo ou mais tarde, uma ou mais das opções abaixo acontecerá:
-Você dirá que sabe que é verdade porque Jesus lhe falou pessoalmente.
-Você passará a responder a apenas alguns itens das minhas mensagens,
alegando que está sem tempo.
-Você, em vez de argumentar, apenas gritará que eu vou para o inferno.
-Você, sem maiores explicações, não me responderá mais.

Entenda que eu não espero que você abandone suas crendices. A desconversão
tem que vir de dentro. E é um processo muito demorado, que só acontece a alguns
poucos, sem que a pessoa, em nenhum momento, tenha planejado se desconverter.
Meu objetivo é que você aceite que o seu ponto de vista não é óbvio para os outros.
Que você aceite que, se os ateus não "sentem" o que você sente e se o seu deus
não "fala" com eles, então eles têm razão em não acreditar. E nem por isto são
monstros, são depravados, são revoltados.
Ateus são como você: têm sonhos, têm esperanças, têm objetivos na vida. Querem
se formar, arranjar um emprego, seguir uma carreira, casar-se, criar os filhos, ter netos.

5 comentários:

  1. Grande Fernando, estou lendo paulatinamente seus textos todos. Ainda não tinha lido este, como sempre uma boa notícia. É um ótimo texto. É de sua autoria? É digno de circular pela net. Ontem li uma notícia na globo que os ateus são mais inteligentes (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI9990-15295,00-OS+ATEUS+SAO+MAIS+INTELIGENTES.html) . No texto fala que somos apenas 1% de ateus no Brasil. Estamos à margem. Um abraço.

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  2. Este texto é meu. Quando é tradução, eu indico o autor.

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  3. Sabe Fernando, vou te dizer uma coisa sem medo de errar:
    Ainda que alguém consiga provar que a Bíblia, ou seja, os escritos que a formou, não são verdadeiros; que foi obra de alguns seres humanos com a intenção de controlar outros seres humanos, continuarei a acreditar em Deus - na sua existência. Veja tudo a tua volta; a ciência ainda não conseguiu explicação válida e mesmo que ela consiga mais argumentações, como será explicado o surgimento de tantas espécies diferentes de vegetais, de animais, de minerais? Como que do caos ou do nada tudo se organizou, sem a mão de alguém? Não seria mais inteligente crer em um criador do que tentar explicar o inexplicável, através da pura razão?
    Não utilizo somente a fé para crer em Deus, e, ainda que não O possa ver, faço uso também da razão, porque é ilógico acreditar que tudo surgiu do nada.
    Se a ciência conseguir descobrir o início de tudo, quem é que estava lá para dar o start? Tem que ter sempre alguém para apertar o botão, puxar a alavanca, ou simplesmente dar uma ordem, não é mesmo?
    Um abraço!

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  4. O que a ciência ainda não descobriu, talvez descubra um dia, portanto esse argumento não é válido.
    E de onde veio o universo? Não sei. Esta resposta me basta. Não preciso inventar deuses que eu não sei se existem e nem entendo para explicar coisas que eu não entendo, mas, pelo menos, sei que existem.

    Talvez o universo sempre tenha existido, por que não?

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  5. Reli o meu texto e não encontrei onde disse que a ciência não conseguiria descobrir algo a respeito da criação; seria estupidez minha afirmar negativamente ou positivamente, tal coisa!
    Concordo com você quando diz que não precisamos inventar deuses para provar a existência de alguma coisa, pois nós as vemos e isto deve bastar para acreditar que elas existam. É verdade também - creio nisto, que o universo sempre existiu e se ele existe é porque alguém o criou, sendo assim, quem o criou também sempre existiu, logo o Criador existe e eu aprendi a chamá-Lo por Deus.
    Agora, sobre o universo, prefiro não conversar a respeito; não quero ficar maluco. Nosso celebro - penso eu, não foi projetado para entender tal profundidade.
    Bom dia!

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