domingo, 22 de agosto de 2004

A perseguição aos cristãos e o gnosticismo

 A perseguição aos cristãos e o gnosticismo

Gregos e romanos tinham muitos deuses mas, no início da era cristã, já tendiam ao monoteísmo. Para eles, os vários deuses, deusas e demônios (seus agentes, intermediários entre os deuses e os homens) eram diferentes manifestações de um mesmo deus.

Eles acreditavam em que tudo o que acontecia, bom ou mau, era a vontade de Deus e que não cabia ao homens questionar o porquê de coisas ruins acontecerem a pessoas boas, por exemplo.
Para eles, o importante era o respeito à pátria, à cidade e à família de cada um e às tradições.

Ficaram chocados, portanto, com o que pregavam os cristãos, como se depreende dos escritos de Celso e Marco Aurélio. Diziam os cristãos que para seguir a Deus era preciso desprezar os deuses, abandonar sua cidade, seu país e detestar sua família. Pelo contrário, os cristãos acreditavam que tais laços, em lugar de divinos, eram obra do demônio para escravizar as pessoas aos antigos costumes.

Os cristãos se diziam monoteístas mas pregavam que a divindade estava dividida em duas partes opostas e rivais. Para os romanos, era uma blasfêmia afirmar que o poder de Deus não era absoluto, mas que tinha um adversário, Satã, que limitava sua capacidade de fazer o bem.

A perseguição romana aos cristãos, embora intermitente, era motivada pela
ameaça que eles pareciam representar para a unidade do império, ao rejeitar suas obrigações religiosas e o respeito ao imperador como representante de Deus e da pátria.
Para seu escândalo, os cristãos julgavam mais importante sua religião e seu
deus que as tradições e a vontade do imperador.

Com o tempo, e com a resistência ao aparente radicalismo dos Evangelhos, a Igreja criou doutrinas que atenuavam mandamentos como "dar tudo o que se tem aos pobres", "evitar o casamento" ou "abandonar a família". Entre os textos básicos estão o "Ensinamentos dos doze apóstolos", atribuído aos "pais apostólicos", e a "Carta de Barnabé". O bispo Ireneu escreveu, em 180 d.C., um livro atacando quem se desviasse dessas doutrinas, ou seja, os heréticos.

Alguns desses fundamentalistas se apegavam à versão literal dos evangelhos, e viviam no deserto, asceticamente, em celibato, como Justino, o mártir, ou Orígenes, que, como vários outros, se castrou.

Outros iam mais longe e rejeitavam a autoridade da Igreja de Roma. Livros como o "Testemunho da verdade", o "Livro secreto de João" e a "Realidade dos regentes" afirmam que o deus do Antigo Testamento era na verdade Samael, o chefe dos anjos caídos, e não o deus supremo.

Ele teria criado Adão e Eva e, com medo de que eles descobrissem a verdade, os proibiu de comer do fruto da Árvore do Conhecimento. A serpente seria a enviada do verdadeiro deus para abrir-lhes os olhos mas Samael, para impedir que o homem pensasse com clareza e mantê-lo sob seu domínio, o expulsou do Paraíso, o amaldiçoou com a necessidade de trabalhar, a ganância pelo ouro e a luxúria.
Assim explicavam eles a barbaridade e a violência do deus do Antigo Testamento.

Mais tarde, Jesus teria vindo para salvar a humanidade deste falso deus. Para tais fundamentalistas, a Igreja de Roma nada mais fazia que perpetuar os erros dos "escribas e fariseus", da Lei mosaica e da Bíblia hebraica, inspirada por Samael.

Tertuliano, contemporâneo de Ireneu, ataca estes radicais com base em que é preciso a todo o custo manter a unidade da igreja e que é errado pensar com a própria cabeça e fazer perguntas. Quando eles parecem fazer sentido, Tertuliano diz que é o Diabo que os torna convincentes ao reinterpretar as Escrituras.
Tais radicalismos, entretanto, nunca se tornaram populares, devido às renúncias que demandavam.

Já os gnósticos, liderados por Valentino, tiveram uma influência muito maior, pois não pregavam o rompimento e sim a evolução. Para eles, a doutrina da Igreja era apenas o ponto de partida. Seu objetivo final era encontrar Deus dentro de si e aprender a verdade diretamente dele. Acreditavam que, para o comum dos fiéis, os ensinamentos da Igreja bastavam mas, para eles, que tinham atingido tal "iluminação", a Igreja deixava de ter importância, embora não negassem a autoridade de padres e bispos.

A Igreja, mais uma vez, os atacou por estarem dividindo os fiéis e por pregar a perversão e a imoralidade, o que se constatou ser falso depois que livros como o "Evangelho da verdade", o "Evangelho de Tomé" e o "Evangelho de Filipe" foram descobertos em Nag Hammadi e nos permitiram conhecer, depois de quase 2000 anos, sua versão dos fatos. O gnosticismo ressurgiu várias vezes na história da Igreja. Entre os exemplos mais conhecidos estão Francisco de Assis, Teresa de Ávila e João da Cruz (embora tenham sido denominados "místicos" em sua época).

Fonte:
"The origin of Satan" - Elaine Pagels

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