terça-feira, 12 de outubro de 2004

O mito do Jesus histórico

A CRIAÇÃO DO MITO DE JESUS

Os evangelhos não se pretendiam uma narrativa histórica mas um "midrash"
(uma composição de trechos das Escrituras que, do ponto de vista do autor,
estão relacionados e confirmam a mensagem que ele quer transmitir). Ou
parábolas com o enxerto de referências históricas. A intenção dos evangelistas
não era registrar com precisão os fatos mas transmitir ensinamentos religiosos.

Paulo foi um dos principais criadores da figura de Jesus. Ao cair do cavalo na
estrada para Damasco, vítima de insolação ou epilepsia, julgou estar divinamente
inspirado. Analisou as Escrituras em busca de revelações ocultas e, acreditando
que toda e qualquer idéia que lhe ocorria também era inspiração de Deus,
pareceu-lhe ter nelas encontrado o anúncio da vinda de Jesus.

O mundo de Paulo ainda era fortemente influenciado pela civilização grega, sua
cultura e seus deuses. Para os gregos e seus vizinhos, a verdadeira realidade era
a realidade mítica, onde viviam deuses e anjos. O mundo material era apenas um
reflexo dela, as sombras na caverna de Platão. As Escrituras não continham
profecias, mas revelavam um pouco desta verdadeira realidade.

O sofrimento e morte de Jesus eram fatos já ocorridos nessa realidade espiritual,
num tempo diferente do nosso, assim como as aventuras dos deuses gregos, não algo
que ainda ocorreria no mundo material (NOTA 1). Era desta "realidade" que falava
Paulo, não de um Jesus de Nazaré, de carne e osso. E seus "fatos" vinham das
Escrituras e das revelações de um Jesus espiritual. Na verdade, era Deus que
fazia as revelações. Jesus era apenas seu canal de comunicações, o "Logos" grego,
a "Sabedoria" judaica. Paulo descobriu "sobre" Jesus nas Escrituras e inspirações
divinas, não "da boca de" Jesus. Jesus era o "segredo que esteve escondido durante
eras" e que foi revelado por Deus.
Era necessário ter fé nesse Jesus mítico, espiritual, como Paulo por tantas
vezes insiste.
Mas por que seria necessário ter fé em que um homem existiu neste mundo, morreu
e ressuscitou? Isto seria um fato histórico, não algo só acessível através da fé.
Foi só mais tarde que se criou o conceito de um Jesus feito homem. Sua biografia foi
tirada das Escrituras. As narrativas do A.T., que foram sua origem e contavam
uma história já ocorrida, tornaram-se aos poucos profecias a respeito de sua
futura vinda.

Mesmo em livros escritos por volta do ano 120 d.C. ainda se mencionam
passagens do A.T. como fonte, não os evangelhos (que já deveriam ter sido
escritos e ser muito famosos e conhecidos, se tivesse havido um Jesus e
seus discípulos estivessem ativamente difundindo seus ensinamentos).

Mas ninguém fala "conforme eu ouvi da boca de Jesus", "conforme ensinou
Fulano, que foi discípulo de Jesus". Paulo só vai a Jerusalém anos depois
de cair do cavalo e nem menciona os lugares santos ou sua emoção em visitá-los.
Vai lá apenas para se encontrar com Pedro. Ninguém menciona Pilatos e o
julgamento de Jesus.

Paulo era o mestre, não Jesus. Em todas as suas disputas com os outros discípulos,
ele jamais foi acusado de distorcer as palavras de Jesus. Não havia "palavras de
Jesus". Não havia nos originais gregos dos textos de Paulo milagres como a cura
dos enfermos ou a transformação de água em vinho. Os evangelhos e sua vida
terrena ainda não tinham sido inventados.

É possível que versões primitivas dos evangelhos já existissem no final do
primeiro século, mas não faziam parte da corrente paulinista, predominante.
Só durante o segundo século começaram a ser mencionados e se incorporaram ao
conjunto de crendices contraditórias que cercava a figura de Cristo, defendidas
por centenas, talvez milhares de seitas que brigavam entre si.

OS EVANGELHOS SÃO UMA MONTAGEM DE ELEMENTOS DE VÁRIAS FONTES:

Muitos dos ensinamentos atribuídos a Jesus foram encontrados nos manuscritos
do Mar Morto, escritos pelos essênios pelo menos 100 anos antes de Cristo.
Eles eram conhecidos pelo seu desprezo às coisas materiais, faziam-se batizar
para a purificação do corpo e do espírito e iniciavam a vida pública aos 30 anos,
após 40 dias de jejum no deserto. Esperavam para breve a vinda do reino de Deus.

Frases como "amar seus inimigos", "se lhe pedem o casaco dá também a camisa"
e "dar a outra face" derivam dos estoicos/cínicos, um movimento filosófico
de origem grega que pregava o retorno a uma vida mais simples e humilde, em
oposição ao materialismo da sociedade urbana.

Muitos outros foram tirados do "Documento Q", uma coleção de ditos resultantes
da mistura da filosofia estoica/cínica, com o messianismo judeu.
Quando os evangelistas inventaram uma vida terrena para Jesus, cada um
localizou os ditos em contextos diferentes. Exemplos:

-Jesus fala sobre a força da fé, em Lucas 17:05 e Mateus 17:20. Em Lucas, o fato
ocorre durante uma jornada a Jerusalém, a pedido dos discípulos. Em Mateus, é
dito por Jesus na Galileia, ao explicar porque os apóstolos não tinham conseguido
expulsar os demônios de um epilético, pouco depois da Transfiguração (aliás, como
até hoje ninguém conseguiu mover uma árvore ou uma montanha com a força da
fé, conclui-se que ela é menor que um grão de mostarda na maioria das pessoas).

-A oração do Pai Nosso é ensinada, em Lucas 11:01, a pedido dos discípulos e
apenas a eles, na viagem a Jerusalém. Em Mateus 06:09, ela faz parte do Sermão
da Montanha, dirigido a uma multidão.

Outros ainda foram tirados das epístolas, onde não há nenhuma menção a terem
vindo de Jesus e não dos próprios apóstolos. Quanto aos milagres de Cristo,
grande parte foi copiada do Antigo Testamento e adaptada às novas circunstâncias:
- 2 Reis 04:42-44 e Mateus 14:13-21: Eliseu/Jesus e a multiplicação dos pães.
- 2 Reis 04:27-37 e Marcos 5:22-24: Eliseu/Jesus e a criança ressuscitada
- 2 Reis 05:08-14 e Mateus 08:01-04: Eliseu/Jesus cura um leproso
- Jonas 1 e Mateus 8:23-27: Jonas/Jesus acalma uma tempestade
- 1 Reis 17:22 e Lucas 7:14: Elias/Jesus ressuscita o filho da viúva
- 1 Reis 17:24 e João 4:19: Elias/Jesus é reconhecido como profeta

 A referência de Jesus ao “verme que rói e nunca morre e o fogo que nunca se apaga”
(Marcos 09:43-44) foi copiada de Isaías 66:24, cujo contexto é completamente diferente.

Finalmente, houve grande influência das religiões dos povos com as quais os
judeus conviviam, ou seja, egípcios, persas, gregos e romanos. Exemplos:

-A história do salvador nascido de uma virgem e tentativas de matá-lo
quando criança.
-Sua morte e ressurreição (em vários casos, no terceiro dia)
-Céu, inferno e juízo final (que não existiam no judaísmo original)
-Petra, no mitraísmo e no "Livro dos Mortos" egípcio, era o guardião das
chaves do céu. O mitraísmo também denominava Petra a um rochedo considerado
sagrado.
-Hórus lutou durante 40 dias no deserto contra as tentações de Sata
-Hórus, a luz do mundo; o caminho, a verdade e a vida
-Hórus batizado com água por Anup.
-Hórus representado por uma cruz
-A trindade Atom (o pai), Hórus (o filho) e Ra (o espírito santo)
-Krishna nasceu de uma virgem, transfigurou-se diante dos discípulos e foi morto
por soldados quando rezava com eles sob uma árvore.
-Apolônio e Hermes eram conhecidos como "o bom pastor" e eram
representados com um cordeiro nos braços
-A última ceia, frequentemente com uma bebida e um alimento que representavam
o corpo e o sangue de algum deus.
-A estrela guia, elemento frequente em lendas e mitologias antigas.
-Tamuz, deus da Suméria e Fenícia, morreu com uma chaga no flanco e, três dias
depois, levantou-se do túmulo e o deixou vazio com a pedra que o fechava a um
lado. Belém era o centro do culto a Tamuz.

FALSAS PROFECIAS:

Uma comparação cuidadosa revela que vários outros trechos foram aproveitados
fora de contexto ou tomados como profecia, quando na verdade se referiam a outras
coisas. Exemplos:

-Lucas 01:28-33, onde o nascimento de Jesus é anunciado a Maria, uma cópia quase
exata de Sofonias 03:14-18, onde se profetiza o triunfo de Israel sobre as
nações que a oprimiram.
-Mateus 02:05-06 e João 07:42, onde se diz que o nascimento de Jesus em Belém fora
profetizado. Entretanto, o trecho que fala de Belém (Miqueias 05:02), se refere
ao clã de David, Belém Éfrata, e não a uma cidade. Além disto, mesmo que fosse
uma cidade, o tal Messias profetizado viria para espalhar o terror e a morte
entre os inimigos de Israel e torná-la poderosa, enquanto que Jesus afirmou que
"meu reino não é deste mundo". Fala também que tal messias libertaria Judá dos
assírios, mas estes nunca invadiram suas terras. Na época em que Jesus teria
vivido, os assírios já não existiam mais.
-Mateus 01:22 cita Isaías 07:14 sobre o nascimento do messias de uma virgem,
quando Isaías falava de uma criança de seu tempo, 700 anos antes de Cristo, não
de uma virgem mas de uma jovem, não de Jesus mas de Emanuel.
-Mateus 21:01-07 (e os outros evangelistas) dizem que a entrada de Jesus em
Jerusalém montado num jumento fora prevista em Zacarias 09:09 mas, mais uma
vez, o rei de que fala Zacarias era um rei humano, que reinaria sobre Israel,
não Jesus. As aclamações do povo foram tiradas do Salmo 117:26 ("Bendito o que
vem em nome do Senhor").
-Mateus 26:15 e 27:03-10 fala da traição de Judas e das 30 moedas como tendo
sido profetizada em Salmos 41:09 e Zacarias 11:12-13. Entretanto, nenhuma das
passagens fala do messias. Nos salmos, é David, o autor, que se diz traído e se
considera um pecador.
E Zacarias diz ter recebido as 30 moedas por um serviço prestado, sem nenhuma
traição envolvida (e ele também devolve as moedas). Mateus diz que a compra do campo do oleiro com as 30 moedas fora profetizada por Jeremias, mas foi Zacarias 11:12-13 que mencionou algo ocorrido em sua época, não sendo uma profecia.
-João 02:14-16 (e os outros evangelistas) falam sobre como Jesus expulsou os
vendilhões do Templo. Considerando-se o tamanho do pátio do Templo e o fato
de que o comércio de animais era essencial à realização dos sacrifícios pelos
fiéis, não tinha nada de ilegal e tinha o apoio das autoridades religiosas,
parece improvável que um único homem com um chicote conseguisse expulsar a
todos, ainda por cima impunemente. Esta passagem parece ter sido inspirada em
Zacarias 14:21 ("Naquele dia não tornará mais a haver mercador na casa do Senhor
dos Exércitos") e Jeremias 07:11 ("Esta minha casa está convertida em um covil de
ladrões").
-Os Salmos 22:02-19, 34(33):21 e 69:22 foram usado na crucificação, embora nele David
falasse de seus inimigos e da perseguição que sofria do rei Saul e Abimelec:
"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? [...] Todos os que me vêem
zombam de mim, abrem a boca e balançam a cabeça: "Ele recorreu a Javé ... pois
que Javé o salve! Que o liberte, se é que o ama de fato!" [...] Cães numerosos
me rodeiam, e um bando de malfeitores me envolve, furando minhas mãos e meus pés.
Posso contar todos os meus ossos. As pessoas me observam e me encaram, entre
si repartem minhas vestes, e sorteiam a minha túnica".
"Como alimento me deram fel, e na minha sede me deram vinagre"
"Javé protege os ossos do justo: nenhum deles será quebrado".

De qualquer modo, não se podem levar a sério profecias que se dizem realizadas no
mesmo livro em que foram feitas. É preciso que a comprovação seja externa ao
livro. E isto não acontece. Um exemplo perfeito de profecia fracassada está em
Ezequiel 26 e 29 (NOTA 2). E pode-se suspeitar de que várias "profecias" foram
feitas depois do fato ocorrido.

Profecias e histórias sobre o justo que sofreu, foi injustamente acusado,
perseguido e morto (ou foi salvo da morte no último instante), sendo então
reabilitado e exaltado, são comuns ao longo da Bíblia. Refletem provavelmente
os sonhos de grandeza dos judeus, povo frequentemente perseguido e escravizado,
e suas esperanças de que seu deus os ajude a triunfar sobre povos que os oprimiam.

Além disto, mesmo que Jesus tivesse existido, ele certamente seguiria as
Escrituras como um roteiro para provar que era o Messias. Por exemplo, entraria em
Jerusalém montado num jumento como fez o rei humilde em Zacarias 09:09. Note-se
que os evangelhos dizem claramente "e ele o fez para que se cumprissem as Escrituras".

CRONOLOGIA RESUMIDA DO SURGIMENTO DOS EVANGELHOS:

Há uma epístola apócrifa, denominada 1 Clemente, enviada de Roma aos
Coríntios no ano de 96 d.C., onde pela primeira vez Jesus é mencionado como
mestre e ensinamentos lhe são atribuídos. Várias passagens lembram o Sermão
da Montanha mas há outras que também lembram os evangelhos mas não são
atribuídas a ninguém ou então citam o Antigo Testamento. Ainda não há
menções a uma vida terrena nem sobre milagres ou João Batista. Mesmo quando
fala do julgamento e morte de Cristo, Clemente cita Isaías. Seu Jesus parece
ser algo que ele construiu a partir das Escrituras.

Por volta do ano 107 d.C., nas 7 cartas escritas por Inácio, surgem as
primeiras menções a Herodes, Pôncio Pilatos e Maria. Há até um trecho sobre
a aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos, mas ainda nada se diz dos
evangelhos ou que Jesus tivesse sido um mestre.

Na época de Inácio foi escrita a Didaké (ou Didache), onde nada se fala dos
ensinamentos de Jesus e a oração do Pai Nosso é atribuída diretamente a
Deus. Nada de última ceia, morte e ressurreição. Deus é o mestre e Jesus
aparece apenas como filho de Deus e seu servo, cuja função é servir de canal
de comunicação entre Deus e os homens.

O nascimento de um Jesus terreno aparece pela primeira vez no texto
"Ascensão de Isaías", que data de 115 d.C. Mas a história é diferente. Jesus
nasce na casa de Maria e José em Belém, não numa manjedoura durante uma
viagem, e Maria só mais tarde descobre que seu filho era especial. Nada
sobre pastores, magos, Herodes e fuga para o Egito. Os evangelistas se
basearam nesta história mas cada um a modificou à sua maneira, mantendo em
comum apenas a referência a Belém, provavelmente por causa da profecia de
Malaquias sobre o nascimento lá de um futuro rei de Israel. A fuga para o
Egito, por exemplo, só existe num dos evangelhos. Em outro, Jesus volta
diretamente para casa e é apresentado no templo (NOTA 3).

A primeira referência a Pilatos numa epístola surge em 1 Timóteo 6:13, que
deve ter sido escrita por volta de 115 d.C., mas ela é tão omissa quanto ao
resto que acredita-se que esta seja uma inclusão posterior. 1
Tessalonicenses afirma que os judeus mataram Jesus mas há um consenso entre
os estudiosos da Bíblia sobre esta ser uma inclusão posterior também.

2 Pedro, escrita por volta de 120 d.C., fala na vinda futura de Jesus (não o
seu retorno) e seu autor cita profecias do AT, não uma promessa feita por
Jesus. No fim do capítulo 1, esta epístola menciona algo que lembra a
transfiguração de Jesus dos evangelhos mas o fato é apresentado como uma
amostra do que seria a vinda futura de Jesus e de seu poder. E a fonte, mais
uma vez, são as Escrituras, não um Jesus terreno.

Barnabás (120 d.C.) é mais uma coleção de tradições orais e lendas, sem
menção aos evangelhos ou Jesus de carne e osso, embora algumas passagens
lembrem seus ensinamentos e haja vagas referências a acontecimentos
históricos. Quando fala da paixão de Cristo, se baseia nas Escrituras.

Uma carta de Policarpo, bispo de Esmirna (130 d.C.) já está bem próxima dos
evangelhos em vários trechos mas ainda faz referência aos documentos acima,
não aos evangelistas.

Há escritos de Papias da época de Policarpo que se perderam mas são
mencionados por Eusébio e estes começam a fazer referência aos evangelhos.
Segundo Eusébio, Papias disse que um certo João disse que Marcos tinha sido
o intérprete de Pedro e registrou o que Pedro ainda se lembrava dos
ensinamentos do Senhor, aos pedaços e sem ordem. Ou seja, ainda não era um
evangelho narrativo.

Por volta de 140 d.C, o gnóstico Marcião usou trechos de uma versão prévia
do que viria a ser o evangelho de Lucas. Sabemos disto porque Tertuliano
condenou sua interpretação do texto anos mais tarde. A versão que Marcião
usou era diferente da atual, o que mostra que os evangelhos passaram por
várias revisões. E isto ocorreu provavelmente porque na época os evangelhos
não passavam de textos soltos de vários autores e ninguém os considerava
sagrados nem inalteráveis, apenas considerações pessoais sobre Jesus e seus
ensinamentos.

Na verdade, este processo de revisão pode ser visto ao longo dos 30 anos que
separam Marcos de João. Cada um é uma adaptação do anterior à realidade de
sua época. Um exemplo é o progressivo envolvimento dos judeus na condenação
de Jesus e a "desculpabilização" dos romanos.

Os evangelhos, aliás, nem tinham nomes. Justino, o Mártir, por volta de 150
d.C. ainda os chama apenas de "Memórias dos Apóstolos" e o que ele cita são
apenas ensinamentos soltos. Tais trechos divergem dos evangelhos atuais e
não há nada do evangelho de João.

A primeira menção que já foi encontrada aos 4 evangelistas é a de Ireneu,
bispo de Lyons, por volta de 180 d.C., onde ele comenta que deveria haver 4
evangelhos porque havia 4 ventos e 4 cantos da Terra.

Finalmente, acredita-se que os Atos tenham sido escritos pela igreja de Roma
em meados do segundo século para criar uma imagem mais favorável de Paulo,
que na época era apontado pelos gnósticos como seu líder (por se basear
apenas nas revelações recebidas diretamente de Deus e não através da Igreja,
ou seja, do Jesus terreno e dos apóstolos). As epístolas, pelo contrário,
mostram Paulo rejeitando a versão de Tiago e os outros, embora eles tivessem
convivido com Jesus.

No concílio de Niceia (325 d.C.), houve uma primeira separação entre canônicos
e apócrifos. As lendas contam que os livros estavam sobre o altar e os apócrifos
caíram, ficando apenas os canônicos. Ou que os canônicos saíram voando e se
empilharam sozinhos sobre o altar. Ou que, estando a igreja completamente
fechada, uma pomba (o Espírito Santo) entrou e sussurrou ao ouvido de cada
bispo qual era o cânon.

Mas a primeira lista do Novo Testamento (com 27 livros) foi feita pelo bispo
Atanásio, em sua Carta da Páscoa de 367 d.C.. Esta lista foi reafirmada num
concílio em Roma em 382 e depois em concílios em Hippo (393) e Cartago
(397 e 419). Entretanto, tais concílios tiveram na época efeito apenas local,
persistindo as divergências dentro da Igreja Católica como um todo até o
concílio de Trento, em 1545, onde a discussão foi tão acalorada que chegou
a haver agressões físicas entre os participantes.

FONTES NÃO CRISTÃS

Os crentes costumam citar como provas de que Jesus existiu as "muitas"
referências feitas a ele por escritores "contemporâneos". Nenhum deles
foi contemporâneo. O livro de Flávio Josefo é o que mais se aproxima
disto, mas a menção a Cristo parece ser um enxerto posterior, feito por
copistas cristãos (não temos os originais), já que não combina com a
visão do autor no resto da obra. As demais referências só surgiram 100
ou mais anos depois, e todas apenas relatam a existência de uma seita
cujos membros diziam seguir a um tal de Cristo, ou seja, registram o que
diziam os cristãos, sem afirmar que Jesus seria um fato.

NOTAS:

(1) Os gregos (e também os europeus até os tempos de Copérnico e Galileu)
acreditavam que a Terra era o centro do universo. Em volta dela havia
esferas de cristal concêntricas, cada uma sustentando um dos 7 planetas
conhecidos. Na esfera mais interior, a da Lua, ficavam os demônios,
mensageiros entre os homens e os deuses, e além da sétima esfera ficavam
os deuses. Para Paulo e seus correligionários, em vez dos deuses havia um
único deus e os demônios eram forças do mal (em Efésios 06:12 eles estão
nas regiões celestes; só mais tarde foram relegados às profundezas da terra;
são eles os dominadores do mundo, não os humanos). Segundo apócrifos do fim
do primeiro século, como a "Ascensão de Isaías", Jesus teria partido numa
jornada através das esferas até chegar à mais interior, nascendo de uma
mulher (assim como Attis nascera de Cibele e depois se sacrificara). Os
demônios, sem perceber quem ele era, o teriam morto. No final do século I,
nenhuma menção a um Jesus terreno. Nada de perdão dos pecados, nada de
ensinamentos. Pilatos não o julgou, não houve Calvário.
A missão desse Jesus, que tinha aparência humana mas não era de carne e
osso, era derrotar o anjo da morte e resgatar os justos.
I Coríntios 02:08 fala novamente dos dominadores do mundo, não de Pilatos,
por exemplo. Orígenes e Marcião também interpretam Paulo desta forma.
Jesus desce então aos infernos (o Sheol) e ressuscita três dias depois.
Retorna aos céus levando com ele as almas dos justos e, a partir desse dia,
os justos que morressem iriam também para o céu. Este era o segredo escondido,
no qual era preciso acreditar para se escapar do inferno. Jesus era o cordeiro
imolado desde o início dos tempos (e não no ano 33).

(2) Ezequiel 26 diz que Yaveh deu a cidade de Tiro a Nabucodonosor para saquear
e destruir. A cidade seria coberta pelo mar e nunca mais voltaria a existir.
A história nos diz que Tiro foi sitiada por Nabucodonosor mas que este não
conseguiu tomá-la. A cidade foi destruída séculos mais tarde por Alexandre o
Grande mas recuperou-se e é hoje uma cidade moderna. E o mar não a cobriu.
Ezequiel 29 diz que, como compensação pelo fracasso em Tiro, Yaveh lhe daria
o Egito e os países vizinhos, também para saquear e destruir. O Egito seria
devastado e seus habitantes se dispersariam pelo mundo. Nada
disto aconteceu.

(3) A estrela guia é um elemento comum nas histórias de heróis antigos e também
há uma matança de inocentes na lenda de Moisés. Herodes matou vários de seus
próprios parentes com medo que lhe tomassem o poder, o que pode ter inspirado
os evangelistas, mas não há registro histórico de matança indiscriminada de
crianças.

(4) Os cristãos também costumam citar o Talmud como prova de que Jesus existiu, já que foi escrito a partir do ano 70, mas há alguns problemas com essa referência. Há pelo menos 2 Talmuds, o de Jerusalém, escrito entre os anos de 70 e 200, e o babilônico, compilado no século V. É o babilônico que faz menção a um tal de Yeshu ben Panthera, filho de um soldado romano chamado Panthera e uma judia adúltera. Ele teria tido alguns discípulos e foi condenado ao apedrejamento. Portanto, nem é da época de Cristo nem fala do Jesus dos evangelhos.

FONTES:

-Sobre a definição do cânon da Bíblia:
http://www.infidels.org/library/modern/larry_taylor/canon.html

-Sobre o uso de passagens do Antigo Testamento:
"Miracles and the book of Mormon"
http://www.bowness.demon.co.uk/mirc1.htm

-Sobre a influência de religiões antigas:
http://www.strbrasil.com/Atheos/jesus.htm
"Pagan origins of the Christian mith"
"Krishna e Jesus" (um site que tenta mostrar as diferenças, mas aponta várias semelhanças)

-Sobre a ausência de menções a um Cristo histórico no primeiro século:
"The Jesus Puzzle", por Earl Doherty
http://www.humanists.net/jesuspuzzle/home.htm

-Este texto analisa apenas as fontes não cristãs citadas como
provas da existência de Cristo, como Tácito, Flávio Josefo,
Suetônio e outros:
"Jesus: Non-Christian Documentary Sources" por Paul N. Tobin
http://www.geocities.com/paulntobin/sources.html



10 comentários:

  1. Caro Fernando, meu xara,
    Muito bom seu texto.Concordo totalmente, mas para aumentar seus argumentos procure ler sobre A. Schweitzer e Alfred de Loisy ai vc vai ver o que eles tem em comum.
    Fernando de Goes
    Aos 10 anos eu ja era dispensado de aula de religiao no colegio Marista de Natal graças ao meu pai.

    ResponderExcluir
  2. Não tive essa sorte. Estudei no colégio Marista do Rio de Janeiro até ir para a universidade.
    Quanto a Loisy, só sei que foi o que disse que "Jesus prometeu o Reino de Deus mas o que veio foi a Igreja". Foi excomungado por isso.
    Quanto a A. Schweitzer, sei que foi um médico que foi para a África cuidar dos pobres.
    Assim que tiver tempo, vou pesquisar mais.

    ResponderExcluir
  3. Olá, seu texto parece de alguem revoltado com a vida, mas seus argumentos não afetam a fé daqueles que creem que Cristo é o Senhor, e pra corrigir, paulo caiu não foi do cavalo, e ficou cego pela fato de não suportar a tamanha glória de cristo ressuscitado. amém. CRISTO TE AMA.

    ResponderExcluir
  4. Crente só sabe argumentar que ateus são "revoltados com a vida", mesmo sem conhecê-los.
    Eles não conseguem entender que alguém possa pensar diferente deles.
    Eu sei que fatos não convencem os crentes. Eles fecharam o cérebro quando adotaram a crendice.
    E acham que a Bíblia é confiável. Acreditam nela cegamente.

    ResponderExcluir
  5. vc prefere crer em papai noel então Hô Hô Hô pra você, Boa sorte no Juizo final!

    ResponderExcluir
  6. A farsa do Jesus histórico.

    Para os primeiros cristãos, Jesus Cristo não era um ser físico, mas uma emanação espiritual, um ideal a ser disseminado, a partir do qual o indivíduo descobriria a verdade por si mesmo e em si mesmo, depositando toda certeza íntima na possibilidade do Cristo interior. Portanto, Jesus Cristo não era judeu, não nasceu em Belém, não fez milagres, não foi anunciado por profecias, não anunciou o reino dos Céus e tampouco morreu na cruz pelos pecados de ninguém.

    O Jesus histórico só passou a existir depois que a ala que formaria a futura ortodoxia cristã resolveu trazê-lo do tempo mítico para o tempo histórico. O motivo da grande inovação religiosa do cristianismo, se comparada às demais concepções religiosas da época, foi o progresso do proselitismo judeu junto às classes baixas. Receando que o mundo se tornasse judeu, os gregos, como não tinham nada para enfrentar a força do Antigo Testamento, optaram pela criação de um antídoto ─ um judaísmo grego.

    O gnosticismo cristão atendia a uma parcela das classes altas, mas se mostrava desinteressante como um recurso para enfrentar o judaísmo no meio popular. Daí a vitória da ortodoxia e a perseguição ao gnosticismo, que passou a ser considerado uma heresia.

    ResponderExcluir
  7. O Apocalipse é o mais antigo documento cristão conhecido e sua primeira parte deve datar de cerca do ano 68. O autor ainda não se considera como um cristão e sim como um judeu envolvido numa nova fase do judaísmo, devido a novas revelações. Ele não percebe que está participando do nascimento de uma nova religião.

    Pode-se constatar que o cristianismo surgiu entre os judeus da diáspora. O texto menciona 7 comunidades da Ásia Menor.
    Ainda não há uma igreja institucionalizada e sequer funções especializadas, embora cada comunidade seja dirigida por um ancião e alguns sejam considerados profetas (como o próprio autor).

    Jesus ainda é um personagem espiritual e não um homem, e distinto do Cordeiro e do Filho de Deus, cada um com seus atributos e funções específicas. A Trindade ainda não existe e o texto menciona apenas os "sete espíritos de Deus".

    O Apocalipse ataca furiosamente os romanos e profetiza a iminente destruição de Roma, enquanto que o Jesus dos evangelhos, escritos quase um século depois, fala em "dar a César o que é de César", num sinal de que sua autoridade já tinha sido aceita e, possivelmente, de que a nova religião já tinha começado a se espalhar entre os romanos.

    ResponderExcluir
  8. O cristianismo original começou na forma de comunidades onde todos eram iguais e a propriedade era comum.
    A autoridade estava a cargo de anciãos que, no entanto, não tinham poder religioso. Alguns se destacavam, como os profetas, os que curavam, os que falavam em línguas, os pregadores itinerantes, sem contudo que isto lhes desse poder político.

    A primeira autoridade religiosa foram os presbíteros, mas sua influência era apenas local.
    Foi só mais tarde que surgiram os bispos (do grego "episkopoi", ou seja, supervisor). Sua função era administrar os bens da comunidade e, normalmente, tinham um nível social mais elevado, sabendo ler e escrever, além de ter mais tempo livre para a função, ao contrário da massa de escravos e trabalhadores braçais.

    Inicialmente, tinham pouca autoridade, tendo sido preciso que as epístolas recomendassem que o mesmo respeito lhes fosse dado que aos presbíteros e profetas.
    Mais tarde, sua influência cresceu, entre outros motivos porque controlavam o dinheiro e os bens das comunidades, e surgiram discussões sobre quem mandava mais, presbíteros ou bispos. Os bispos começaram a se meter em assuntos de dogmas e heresias, mas comentários irônicos de escritores da época mostram que ainda não eram levados a sério.

    Com o tempo, entretanto, tornaram-se o topo da hierarquia, a ponto de se dizer que os fiéis deviam uma obediência completa aos bispos e que Jesus era o "bispo do mundo".

    Ou seja, no cristianismo primitivo, as comunidades eram a Igreja (ou melhor, as igrejas, não havendo uma doutrina central). Um século depois, os bispos tinham se tornado a Igreja, institucionalizada e dona da verdade, e os fiéis, apenas a periferia.

    Muitas das heresias que surgiram a partir daí eram, na verdade, um movimento de retorno ao cristianismo primitivo das comunidades, sem autoridade central, e é claro que, para se defender, os bispos as condenavam.

    À medida em que o cristianismo se difundia entre os ricos e poderosos, à medida em que se institucionalizava, com uma hierarquia, mais eram rejeitadas como heresias as crenças originais na renúncia aos bens materiais e na proximidade do fim do mundo.

    Apesar disto, numa concessão ao gnosticismo, que, na época, ainda era poderoso, os bispos adotaram conceitos como a dualidade espírito bom x matéria ruim (as epístolas falam do "homem natural" e hoje os crentes dizem que "não são do mundo"). Ou a condenação da Lei de Moisés, já que, para os gnósticos, Javé não era o verdadeiro deus e sim um espírito maligno, sendo, portanto, malignas as suas leis.

    ResponderExcluir
  9. A linguagem do apocalipse é a mesma utilizada em panfletos subversivos anti-romanos que circulavam na Ásia Menor, no primeiro século, nos quais se denota influência judaica. Essa reação explícita provinha das classes baixas que se encontravam num processo de envolvimento com o judaísmo, devido ao proselitismo judeu. O nome de Jesus Cristo, que pouco aparece no texto, pode ser retirado sem prejuízo algum ao conteúdo. Mais parece um texto pré-cristão que foi reaproveitado e não, necessariamente, em 68. A influência judaica não significa que muitos daqueles panfletos sejam judeus.

    Os gregos das classes altas estavam muito insatisfeitos com o proselitismo judeu, que agravava o antigo ódio anti-judaico pelo fato de os judeus terem se negado ao ideal universal helenístico. O único modo de combater essa situação seria com um judaísmo grego. A força do Antigo Testamento junto às classes baixas nota-se ainda hoje. A história do cristianismo é contada por gregos e os judeus não a confirmam.
    São gregos os líderes e propagandistas cristãos. O único líder supostamente judeu foi Paulo, que só existe na história do cristianismo. A fábula de Jerusalém não convence, a Ásia Menor foi mesmo o berço dessa reação anti-romana e anti-judaica.

    ResponderExcluir