terça-feira, 12 de outubro de 2004

Falácias - como não ser levado a acreditar em absurdos

Como não ser levado a acreditar em coisas estranhas
Baseado em texto original de Michael Shermer
Quando damos razões para que uma alegação ou hipótese seja aceita, estamos argumentando. As razões que damos são as premissas da argumentação e a alegação que elas pretendem sustentar é a conclusão. Se as premissas são aceitáveis e sustentam adequadamente a alegação, então a argumentação é boa. Caso contrário, se as premissas são duvidosas ou se não justificam a conclusão, então a argumentação é falaciosa. Não cumpre sua função, ou seja, não dá uma boa razão para se aceitar uma alegação.

Infelizmente, argumentos falaciosos podem ter grande poder psicológico. Quem não está treinado para perceber falácias, com frequência aceita alegações infundadas. Para não se acreditar em coisas irracionais é importante entender as várias falhas de argumentação que podem ocorrer.

Um argumento é falacioso se contém (1) premissas inaceitáveis, (2) premissas irrelevantes ou (3) premissas insuficientes.

- As premissas são inaceitáveis se elas são, no mínimo, tão duvidosas quanto a alegação que pretendem apoiar. Numa boa argumentação, as premissas têm que ser a base sólida na qual se assenta a conclusão, caso contrário a conclusão não terá firmeza.

- As premissas são irrelevantes se não se aplicam ao caso. A conclusão deriva das premissas. Se as premissas não têm a ver com a conclusão, não dão razões para que esta seja aceita.

-As premissas são insuficientes se deixam dúvidas quanto à validade da conclusão. Numa boa argumentação, as premissas devem eliminar os motivos razoáveis de dúvida.

As falácias listadas mais abaixo podem ser classificadas nestas categorias como se segue:

-Inaceitáveis: 4.6, 4.7, 4.20
-Irrelevantes: 4.2, 4.3, 4.5, 4.9, 4.10, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.15
-Insuficientes: 3.9, 4.1, 4.4

Ao se ouvir um argumento, deve-se verificar se as premissas são aceitáveis, relevantes e suficientes. Se uma das condições estiver ausente, o argumento não é logicamente aceitável. Um outro modo básico de definir os termos é: Hipóteses e premissas podem ser verdadeiras ou falsas. Um argumento pode ser válido ou inválido (falacioso). Um argumento pode ser válido mas, se baseado em premissas falsas, pode levar a conclusões falsas.

Da mesma forma, um argumento pode ser inválido ainda que premissas e conclusão sejam verdadeiras. Por exemplo: "Os homens têm 3 pulmões. Sócrates é homem. Logo, Sócrates tem 3 pulmões". A argumentação é perfeita mas a conclusão é falsa porque uma das premissas é falsa. Outra abordagem pode ser resumida nos seguintes passos:

1. Apresente a alegação ou hipótese.
2. Examine as evidências em favor da hipótese.
3. Considere hipóteses alternativas.
4. Classifique cada hipótese conforme o critério de aceitação.

Passo 1- Apresente a alegação: Antes que se possa examinar uma alegação ou hipótese, é necessário entendê-la. Ela deve estar expressa em termos claros e específicos. "Fantasmas existem" não é suficiente porque é muito vago. Uma opção melhor é "O espírito desencarnado de pessoas mortas existe e é visível ao olho humano". Da mesma forma, "A astrologia funciona" não basta. É melhor dizer que: "Astrólogos podem identificar corretamente a personalidade de uma pessoa usando os signos solares". Mesmo estas versões revisadas ainda são ambíguas e não tão definitivas como deveriam. Os termos deveriam estar mais bem definidos, por exemplo. O que é "espírito"? O que significa " identificar corretamente a personalidade de uma pessoa "? Acontece que muitas das afirmações extraordinárias que são apresentadas são deste tipo. Antes de analisá-las, deve-se procurar o máximo de clareza e definição sobre o que a alegação diz.

Passo 2 - Pergunte a si mesmo que razões existem para que a alegação seja aceita. Ou seja, que evidências empíricas ou argumentos lógicos suportam a alegação? A resposta levará a uma avaliação tanto quanto à qualidade quanto à quantidade. Uma avaliação honesta e completa de razões deverá incluir:

a. A determinação da exata natureza e das limitações da evidência empírica. Isto significa determinar não apenas qual é a evidência mas quais dúvidas existem quanto a ela. Ou seja, é preciso definir se está sujeita a deficiências tais como: distorções da percepção humana, memória e julgamento; erros e preconceitos da pesquisa científica; dificuldades inerentes a dados ambíguos. Às vezes, mesmo um levantamento preliminar dos fatos levará à admissão de que não há, na verdade, nada de misterioso que requeira explicação. Ou, talvez, um pequeno mistério levará a um mistério maior. De qualquer modo, uma abordagem objetiva da evidência requer coragem. Muitos crentes fervorosos nunca ousaram dar este passo inicial.

b. Decidir se a hipótese em questão realmente explica a evidência. Se não - se fatores importantes ficam de fora - a hipótese não é boa. Ou seja, uma boa hipótese deve ser relevante quanto à evidência que ela pretende explicar. Caso contrário, deve ser abandonada.

Passo 3 - Considere hipóteses alternativas: Não basta apenas considerar a hipótese em questão e as razões para aceitá-la. Se você espera descobrir a verdade, deve também considerar alternativas e suas razões. Por exemplo, considere que a Rena do Nariz Vermelho de Papai Noel é real e vive no Polo Norte. Como evidência, apresente estes fatos: milhões de crianças acreditam que ela existe; figuras dela são mostradas em toda parte na época do Natal; considerando a quantidade de renas que existem e que já existiram, é possível que algum dia uma rena voadora tenha sido gerada através de mutações; há pessoas que dizem que já viram esta rena com seus próprios olhos. Poderíamos continuar neste caminho e criar uma argumentação bem convincente para esta hipótese. Em pouco tempo, você pode até acreditar que encontrou alguma coisa. Parece uma hipótese bem convincente quando vista sozinha, mas, se imaginarmos uma alternativa - que esta rena é apenas uma criatura imaginária tirada de uma canção de Natal - ela se torna ridícula.

A hipótese da criatura imaginária é suportada por evidências abundantes; não conflita com teorias biológicas bem estabelecidas; e, ao contrário da outra hipótese, não requer a introdução de novas entidades. Este terceiro passo envolve criatividade e uma mente sempre aberta. Requer que se pergunte se há outros modos de explicar o fenômeno em questão e, se houver, quais são as razões em favor deles, ou seja, envolve a aplicação do Passo 2 a todas as explicações alternativas. Também é importante lembrar que as pessoas tendem, quando diante de um fenômeno extraordinário, a procurar uma explicação envolvendo o paranormal ou sobrenatural e resistem a pensar em hipóteses naturais. Como resultado, assumem que a hipótese paranormal está correta. É preciso lembrar que, só porque não conseguimos pensar numa explicação natural, não significa que não haja uma.

O procedimento correto é insistir na busca por hipóteses que não envolvam o sobrenatural ou paranormal. Todos nós temos uma tendência inata a nos agarrarmos a uma hipótese favorita e ignorar ou resistir às alternativas. Podemos achar que as outras não merecem atenção porque a nossa está certa. Esta tendência pode nos satisfazer (por algum tempo), mas também é uma boa fonte de ilusões. Temos que nos esforçar para contrabalançar esta inclinação. Uma mente aberta estará sempre disposta a considerar todas as possibilidades e a mudar de opinião se houver boas razões.

Passo 4 - Classifique cada hipótese conforme o critério de aceitação. Em seguida, avalie as hipóteses para determinar quais têm valor e quais são falhas. Não basta apenas listar as evidências para cada uma. Temos que levar em conta outros fatores que possam dar uma perspectiva diferente e nos ajudar a avaliar hipóteses quando não há nenhuma evidência, o que costuma ser o caso quando se trata de alegações extraordinárias. Estes fatores são os critérios de adequação. Aplicando-os a cada hipótese, com frequência podemos eliminar algumas hipóteses imediatamente, dar mais peso a outras e decidir entre hipóteses que parecem ter o mesmo valor à primeira vista.

a. Testabilidade - Pergunte-se: a hipótese pode ser testada? Há algum meio de determinar se ela é verdadeira ou falsa? Muitas hipóteses sobre fenômenos extraordinários não são testáveis. Isto não significa que elas são falsas. Significa que não têm valor. São apenas afirmações que nunca poderemos determinar se são verdadeiras. Um exemplo é você dizer que suas dores de cabeça são causadas por um duende invisível que vive dentro dela. Não há como prová-la, portanto ela não tem valor.

b. Dá resultados? - Pergunte-se: a hipótese resulta em previsões ou desdobramentos surpreendentes que explicam novos fenômenos? Isto dá valor à hipótese e pode ajudar no desempate. A maioria das hipóteses sobre coisas estranhas não resulta em previsões observáveis (o que não significa que a hipótese seja falsa).

c. Abrangência - Quantos fenômenos diferentes a hipótese explica? Quantos mais ela explicar, menos chances de estar errada. Por exemplo, nossos sentidos e nossa percepção com frequência geram informações que não correspondem à realidade e nos levam a ver e sentir coisas que não existem. Esta é uma hipótese bem comprovada e tem mais valor, por exemplo, que dizer que todas as luzes não identificadas no céu são naves extraterrestres, o que não explica outros tipos de alucinação.

d. Simplicidade - Esta é a explicação mais simples para o fenômeno? Em geral, a hipótese mais simples que melhor explica o fato é a que tem menos chances de ser falsa. Por simples, entende-se aquela que assume o menor número de entidades. Por exemplo, se seu carro não quer pegar de manhã, uma hipótese é a de que a bateria está descarregada. Outra hipótese culpa algum espírito maligno. Esta última requer a existência de uma entidade misteriosa, enquanto que a hipótese da bateria é mais simples, é testável, permite prever consequências e explica vários fenômenos. Já no caso do espírito maligno, é preciso afirmar sua existência e definir suas características e tendências, o que reduz suas chances de ser a opção correta.

e. Conservadorismo - A hipótese está de acordo com crenças bem fundadas? Ou seja, com a evidência empírica - que resulta de observações confiáveis e testes científicos, com as leis da natureza ou com teorias aceitas? Tentar responder a estas perguntas o leva além de simplesmente catalogar evidências para as hipóteses e também permite avaliá-las à luz de toda a evidência disponível. Ou seja, a hipótese que menos contradiz o conjunto de conhecimentos aceitos tem maiores chances de ser verdadeira. Por exemplo, se alguém lhe disser que choveu cães e gatos, deve-se considerar que o fato é logicamente possível, mas conflita com toda a experiência acumulada sobre coisas que caem do céu. Pode ser que um dia venha a acontecer, mas as chances são muito pequenas. Da mesma forma, uma máquina de movimento perpétuo contraria leis da física e uma enorme evidência empírica acumulada. Até prova em contrário, devemos considerar tal coisa como altamente improvável. Uma hipótese que conflita com teorias bem confirmadas deve ser vista como improvável até que haja boas evidências de que a hipótese está certa e que a teoria está errada. Portanto, fenômenos paranormais são, por definição, improváveis. Conflitam com o que sabemos, com montanhas de evidências acumuladas. Devemos exigir ótimas evidências em contrário antes de mudarmos de ideia.

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Descrição das falácias mais comuns e conceitos relacionados:

1. Máxima de Hume: O filósofo escocês David Hume (1711-1776) escreveu, em 1758, um livro intitulado "An Enquiry Concerning Human Understanding", onde afirmava que "o homem sábio acredita nas coisas proporcionalmente às evidências". Seu princípio de análise de afirmações miraculosas é: "Nenhum testemunho é suficiente para provar um milagre, a menos que o testemunho seja de tal tipo que sua falsidade seja mais miraculosa que o fato que ele tenta estabelecer". Quando me dizem que um homem ressuscitou, imediatamente avalio o que é mais provável, que a pessoa está tentando me enganar ou foi enganada ou que o fato relatado seja verdade. Peso uma possibilidade contra a outra e me decido pela que for menos miraculosa.

2. Problemas com o pensamento científico:

2.1. A teoria influencia a observação: Werner Heisenberg, prêmio Nobel de física, concluiu que "o que observamos não é a natureza em si mas a natureza exposta ao nosso método de investigação". A realidade existe independentemente do observador, mas nossa percepção dela é influenciada pelas nossas teorias preconcebidas. Por exemplo, Colombo tinha tanta certeza de ter chegado às Índias que chamou de canela ao primeiro arbusto que cheirava como canela. Sua teoria de Índia produziu observações de Índia, embora ele estivesse do outro lado do mundo.

2.2. O observador modifica o observado: para se observar alguma coisa, é preciso se aproximar desta coisa, instalar instrumentos de medida. Isto modifica a coisa, altera o universo. Ao se estudar um evento, o evento é modificado. Ao se estudar uma tribo, o comportamento de seus membros pode ser modificado pelo fato de se saberem observados. Psicólogos usam controles de duplo-cego em seus testes justamente para que os voluntários não saibam quais as hipóteses sendo testadas e não modifiquem seu comportamento de acordo com elas. Tais controles frequentemente não são usados em testes de poderes paranormais e é um dos principais motivos de enganos nas pseudociências. A verdadeira ciência busca entender e reduzir o efeito da observação sobre o observado.

2.3. O equipamento produz resultados: O equipamento usado numa experiência frequentemente determina os resultados. Nossas teorias sobre o tamanho e a complexidade do universo foram se alterando à medida em que telescópios mais potentes eram construídos. Um ictiólogo usando uma rede de malha aberta vai basear suas teorias sobre os peixes o que a rede conseguiu pegar. Seriam outras se a rede tivesse malha fina. Ele pode ser levado a crer que aquilo que ele capturou é uma amostra de tudo o que existe no mar e recusar afirmações sobre a existência de seres menores e diferentes.

3. Problemas com o pensamento pseudocientífico:

3.1. Relatos isolados não são ciência: As histórias que se contam como prova de uma afirmação não são ciência. Sem provas e evidências físicas, dez ou cem relatos têm o mesmo valor que um. Histórias são contadas por humanos falíveis. Mesmo que a testemunha seja séria e honesta, não dada a alucinações, nem por isto devemos crer em relatos de abduções por discos voadores em estradas desertas. Precisamos da presença física do tal disco ou de corpos de alienígenas.

Histórias sobre como sua tia Maria foi curada de um câncer ao assistir um determinado filme ou tomar um extrato de fígado de galos castrados não significam nada. O câncer pode ter se curado sozinho, como acontece às vezes, ou talvez fosse apenas um erro de diagnóstico ou qualquer outra possibilidade. Precisamos de experiências controladas, não de relatos. Precisamos de 100 pacientes de câncer, todos devidamente diagnosticados e acompanhados. Em seguida, precisamos que 25 deles assistam àquele filme, outros 25 assistam a outro filme qualquer, 25 outros assistam ao noticiário e os demais não assistam a nada. Em seguida, temos que analisar a taxa média de cura espontânea entre os grupos. Se houver diferenças significativas, devemos buscar confirmação com outros cientistas que fizeram experiências em separado de nós antes de chamar a imprensa e anunciar a cura do câncer.

3.2. Linguagem científica não é ciência: Usar termos científicos para criar um sistema de crenças, como no caso do criacionismo científico, não significa nada sem evidências, testes experimentais e repetibilidade. Certas pessoas se aproveitam da mística que a ciência tem na nossa sociedade e, não tendo evidências a apresentar, tentam parecer respeitáveis usando linguagem "científica". As seitas da Nova Era usam muito este recurso, criando textos complicados e ininteligíveis (que, por isto mesmo, parecem "científicos"). A física quântica, com seu princípio da incerteza, veio a calhar para elas, que a citam para explicar qualquer coisa, de astrologia a "energias positivas" e "vibrações planetárias" e lhes serve de argumento contra o rigor do método científico.

3.3. A ousadia de uma afirmação não a torna verdadeira: Uma coisa é provavelmente pseudocientífica se é sustentada por afirmações bombásticas quanto a seu poder e veracidade, mas as evidências são escassas. Por exemplo, L. Ron Hubbard inicia seu "Dianética: a ciência moderna da saúde mental" com esta declaração: "A criação da Dianética é um marco para o homem comparável à descoberta do fogo e superior à invenção do arco e da roda". Cientistas também podem cometer este erro, como no caso de Stanley Pons e Martin Fleischmann que, em 23 de março de 1989, convocaram a imprensa para anunciar que tinham descoberto a fusão nuclear a frio. É claro que uma descoberta pode provar que 50 anos de física estavam errados, mas, até que tal descoberta tenha sido reproduzida independentemente por outros cientistas, não se deve por a mão no fogo por ela. Em resumo, quanto mais extraordinária for uma afirmação, mais extraordinários terão que ser os testes.

3.4. Heresia não significa credibilidade: Riram-se de Copérnico. Riram-se de Galileu. Mas também se riram dos irmãos Marx. Ser exposto ao ridículo não significa que você esteja certo. Cita-se muito Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século 19: "Toda verdade passa por três estágios: primeiro, ela é ridicularizada. Segundo, ela sofre violenta oposição. Terceiro, ela é aceita como autoevidente". Mas nem todas as verdades passam por estes estágios. Muitas são aceitas sem ridículo ou oposição. As teorias de Einstein foram apenas ignoradas até que, em 1919, foram aceitas depois que a evidência experimental provou que estavam corretas. Citar Schopenhauer é apenas uma forma de tentar se dar credibilidade a uma ideia que ninguém aceita. A história da ciência está cheia de cientistas que enfrentaram a oposição de seus pares e desafiaram as teorias aceitas. A maioria estava errada e seus nomes foram esquecidos. Os "Galileus" são minoria. Antes de criticar a comunidade científica, procure os especialistas naquele ramo, troque informações e ideias e apresente sua teoria para que seja examinada. E não se queixe se uma teoria sem lógica for rejeitada sem maiores análises.

3.5. Ônus da prova: Quem tem que provar o quê para quem? Cabe a quem faz uma afirmação extraordinária provar aos especialistas e à comunidade em geral que sua crença tem mais valor que a crença aceita por todos. Você tem que defender sua ideia, tem que conseguir partidários entre os experts para que seja aceito pela maioria. Quando o consegue, o ônus de contradizê-lo passa aos outros. Os evolucionistas tiveram o ônus da prova por uns 50 anos depois de Darwin, mas agora ele cabe aos criacionistas. Não cabe mais aos evolucionistas defender a evolução das espécies, mas aos criacionistas mostrar que eles estão errados e por quê. Cabe aos que negam o Holocausto provar que ele não aconteceu e não aos historiadores provar que ele existiu. Não basta estar certo, não basta ter evidências, é preciso convencer os outros da validade de suas evidências. É o preço que pagam os desconhecidos.

3.6. Boatos não dão credibilidade: Boatos começam com "Ouvi falar..." e logo se transformam em "Sabe-se que..." à medida em que se propagam. Boatos podem ser verdade, é claro, mas em geral não o são. Histórias fantásticas e lendas urbanas espalham-se rapidamente e nunca morrem. Exemplos: há jacarés gigantes vivendo nos esgotos de Nova Iorque. O pouso do homem na Lua foi forjado num estúdio em Hollywood. Um disco voador caiu no Novo México e os corpos dos alienígenas estão com a Força Aérea americana.

3.7. O que não está explicado não é inexplicável: Muitas pessoas acreditam firmemente que, se elas não podem explicar algo, então tal coisa é inexplicável e é um mistério paranormal. Se ninguém sabe como as pirâmides foram construídas, então elas só podem ter sido obra de extraterrestres. Mesmo pessoas razoáveis tendem a achar que, se os experts não sabem explicar alguma coisa, ela deve ser inexplicável. Fenômenos como talheres que se curvam, gente que caminha sobre o fogo ou telepatia são considerados místicos ou de natureza paranormal porque a maioria das pessoas não consegue explicá-los (embora mudem de ideia ao descobrir o truque). Por exemplo, é possível caminhar sobre brasas porque a condutividade térmica do carvão é muito baixa. Basta não ficar parado em um só lugar. É por isso que os mágicos não revelam seus truques. A maioria é muito simples e a graça toda se perderia. É claro que há muitos mistérios no universo, mas a atitude correta é acreditar que "não sabemos, mas um dia podemos vir a saber". O problema é que mistérios são incômodos e as pessoas preferem se agarrar a conclusões, ainda que prematuras.

3.8. Racionalizar o fracasso: Cientistas falham com frequência - e aprendem com isto. Ninguém quer falhar, mas é errando que se aprende. Cientistas honestos admitem seus erros sem problemas. Os demais se mantêm na linha por medo de serem apanhados pelos colegas se mentirem. Mas pseudo cientistas não têm tais escrúpulos. Escondem suas falhas ou as racionalizam. Por exemplo, alegam que seus poderes podem falhar às vezes. Se apanhados numa fraude, alegam que, excepcionalmente, apelaram para truques para não decepcionar a audiência. Ou culpam a presença negativa de céticos, de câmeras de televisão etc. E recorrem à falácia sobre o que ninguém explica ser inexplicável.

3.9. Inventar relações de causa e efeito: Também conhecida como "post hoc, ergo propter hoc", ou seja, "depois disto, portanto devido a isto". No extremo, é uma forma de superstição. Exemplo: "vou usar esta gravata de novo porque meu time ganhou antes quando eu estava com ela". Ou, como disse o arcebispo de Manila, Jaime Cardinal Sin, "Conheço uma mulher de 26 anos que parece ter 60 porque toma a pílula". Cientistas também podem se deixar levar por esta falácia. Houve tempo em que se acreditou que o leite materno aumentava o QI da criança, o que encheu de culpa as mães que davam mamadeira. Entretanto, a explicação mais provável é que as mães que amamentam também dão mais atenção a seus filhos, causando a diferença no QI.

Como disse Hume, o fato de que dois eventos aconteçam em sequência não significa que um seja a causa do outro. A noite sempre se segue ao dia, mas o dia não é a causa da noite. Correlação não é causação. Uma variação desta é chamada "non sequitur" (não se segue), onde é usada uma premissa que não tem nenhuma relação com a conclusão. Exemplo: "Nós vamos vencer porque Deus é grande". Os inimigos dizem a mesma coisa. Deus pode ser grande, mas não está necessariamente do seu lado. É preciso se considerarem outras possibilidades, não apenas a que nos agrada.

3.10. Coincidência: No mundo dos fenômenos paranormais, coincidências são consideradas muito significantes, como se houvesse uma força misteriosa por trás do fenômeno. Não é porque uma pessoa liga para você bem na hora em que você ia ligar para ela que houve uma ligação telepática. A tal pessoa talvez ligue para você com frequência - e ligou, por acaso, no momento em que você estava pensando nela. Mas você preferiu ignorar o fato de que era provável receber a tal ligação naquele momento. Também preferiu ignorar quantas vezes você pensou na outra pessoa e ela não ligou.

A maioria das "coincidências" é apenas um fato com alta probabilidade de ocorrer. A mente humana tende a procurar relações entre fatos. É também por isto que máquinas caça-níqueis viciam. Basta ganhar algumas moedinhas de vez em quando e você continuará puxando a alavanca.

3.11. Representatividade: Como disse Aristóteles, "a soma das coincidências leva à certeza". Nós esquecemos a maioria das coincidências sem importância e nos lembramos das significativas. Esta tendência a lembrar dos acertos e esquecer dos erros é o que permite o sucesso de paranormais, profetas e adivinhos que fazem centenas de previsões a cada primeiro de janeiro. Primeiro eles aumentam as chances de acerto ao prever coisas vagas e com grande probabilidade de ocorrer: "Haverá um terremoto na Califórnia" ou "Vejo problemas com a realeza inglesa". No mês de janeiro seguinte eles publicam seus acertos e ignoram os erros, na esperança de que ninguém vá conferir. É importante ter em mente o contexto onde um evento aparentemente incomum acontece e devemos sempre analisar se é representativo.

No caso do Triângulo das Bermudas, uma área onde navios e aviões desaparecem "misteriosamente", existe a crença de que algo misterioso ou alienígena está agindo. Mas antes é preciso considerar se é significativo que tais acidentes ocorram naquela área. Há muito mais rotas passando pelo Triângulo das Bermudas que pelas áreas vizinhas, sem falar na grande incidência de tempestades tropicais, portanto acidentes e desaparecimentos são mais prováveis na área. Na verdade, a taxa de acidentes é mais baixa no Triângulo das Bermudas que nas proximidades. Talvez devêssemos chamá-la de "Não-triângulo das Bermudas".

Da mesma forma, ao investigar casas mal-assombradas, devemos pesquisar de antemão qual a média de ruídos que casas velhas produzem. Encanamentos velhos, ratos e madeira produzem barulhos estranhos. Primeiro devem-se esgotar as explicações naturais antes de recorrer às sobrenaturais.

3.12. Seleção dos fatos: Está relacionada à falácia da representatividade. É a seleção das circunstâncias favoráveis ao que se quer provar. Parafraseando-se Francis Bacon: "Os países se gabam de seus heróis, mas esquecem de mencionar seus criminosos". Uma variação desta falácia é a da "pequena amostragem". Por exemplo: "Dizem que uma em cada cinco pessoas é chinesa. Mas eu conheço centenas de pessoas e nenhuma delas é chinesa". Ou: "Joguei os dados três vezes e deu sete, portanto na quarta vez vai dar sete de novo".

3.13. Má interpretação das estatísticas: O presidente Eisenhower ficou alarmado quando descobriu que metade dos americanos tinha uma inteligência abaixo da média.

3.14. Meias verdades:Também relacionada à representatividade. Exemplo: "Uma revolução é necessária, mesmo que custe algumas vidas". Talvez, mas não se informou se as mortes previstas superam as causadas pelo regime que se pretende derrubar ou se o povo está interessado numa revolução.

4. Problemas de lógica

4.1. Ad Passiones: Palavras que provocam emoção e falsas analogias. Palavras que provocam emoção são usadas para obscurecer a racionalidade. Podem ser palavras positivas - maternidade, pátria, integridade, honestidade - ou negativas - estupro, câncer, mal, comunista. Da mesma forma, metáforas e analogias podem ser usadas para confundir o pensamento e nos desviar a atenção. Pessoas que usam tal recurso falam da inflação como "o câncer da sociedade" ou da indústria "estuprando o meio ambiente".

Em 1992, o candidato democrata Al Gore elaborou uma analogia entre a história de seu filho doente e os Estados Unidos como uma nação doente. Tal como seu filho, que esteve às portas da morte, mas se recuperou graças aos cuidados da família, os EUA, às portas da morte depois de 12 anos de Reagan e Bush, se tornariam de novo saudáveis sob o novo governo.

Outro exemplo são as figuras de pessoas usando o que parecia ser um capacete de astronauta, encontradas em antigos templos maias. Elas não indicam que ETs estiveram entre eles e sim que suas máscaras rituais lembravam um capacete.

Assim como os relatos isolados, analogias e metáforas não provam nada. São apenas figuras de retórica, semelhanças sem significado. Uma variação desta tática são os eufemismos, muito usados pelos políticos. Por exemplo, em lugar de "Invadir o país vizinho", diz-se "Proteger os interesses da nação". Outra variação disso é a chamada "Ad Consequentiam", em que uma premissa é julgada em função das supostas consequências que produz, boas ou más. Por exemplo: "Deus certamente criaria a Natureza bela. Sabemos que a Natureza é bela, portanto Deus existe". Ora, beleza é algo subjetivo e a realidade não depende de nossos desejos.
4.2. Ad Ignorantiam: é um apelo à ignorância da falta de evidências e está relacionada às falácias do "Ônus da prova" e "O que não está explicado não é inexplicável". A alegação é a de que, se não se pode mostrar que uma coisa não existe, então ela existe. Por exemplo, se não se pode provar que paranormais não existem, então eles existem. O absurdo deste argumento aparece quando se afirma que se não se pode provar que Papai Noel não existe, então ele existe. Naturalmente, isto vale para o oposto: se não se pode provar que Papai Noel existe, então ele não existe. Na ciência, a crença deve vir de evidências positivas em favor de uma afirmação, não da falta de evidência em contrário ou a favor. 
4.3. Ad Hominem e Tu Quoque: Significam "ao homem" e "você também". Estas falácias desviam o pensamento da ideia em questão. Ad hominem é desacreditar a pessoa para desacreditar suas ideias. Chamar alguém de ateu, comunista, pedófilo ou neo-nazista não prova que suas ideias estejam erradas. Pode ser útil saber qual a religião ou a ideologia de alguém, já que isto pode de algum modo ter afetado os dados que a pessoa apresentou, mas seus argumentos devem ser refutados diretamente, não indiretamente. Se os que negam a historicidade do Holocausto forem neo-nazistas ou anti-semitas, eles vão certamente dar preferência a certos fatos históricos e ignorar outros. Mas não se pode negar uma afirmação do tipo "Hitler nunca planejou exterminar os judeus" apenas acusando a pessoa de neo-nazista. A refutação tem que ser feita por meio de pesquisas. "Tu quoque" funciona da mesma forma. Se alguém lhe acusa de alguma coisa, dizer-lhe "você também" não prova nem refuta nada. Um caso extremo de "Ad hominem" é o "Ad personam", em que um lado agride o outro sem nem mesmo tentar refutar seus argumentos.
4.4. Generalizações apressadas: Em lógica, generalizações apressadas são uma forma de induzir ao erro. Na vida, chama-se preconceito. Nos dois casos, conclusões são tiradas antes que haja fatos para corroborá-las. Talvez esta falácia seja tão comum devido ao fato de que nossos cérebros vivam à procura de conexões entre eventos e causas. Dois professores ruins significam uma escola ruim. Alguns carros com defeito significa que aquele fabricante não é confiável. Alguns membros de um grupo são usados para julgar todo o grupo. Na ciência, é preciso reunir o máximo de dados possível antes de anunciar nossas conclusões.

4.5. Apelo às autoridades: Em nossa cultura, tendemos a confiar cegamente nos mestres, especialmente se são pessoas vistas como muito inteligentes. O valor do QI adquiriu proporções místicas de uns 50 anos para cá, mas eu notei que a crença em paranormais não é incomum entre os membros da Mensa (o clube dos dotados de alto QI, que constituem uns 2% da população). Alguns até afirmam que também é maior seu índice de paranormalidade. O mágico James Randi adora avacalhar com experts com Ph.D.s. Ele diz que: "Assim que eles conseguem um Ph.D., passam a achar muito difícil dizer duas coisas: 'Não sei' e 'Eu estava errado' ". Os experts podem ter maior chance de acerto dentro de sua especialidade mas isto não garante que estejam sempre certos, muito menos que estejam aptos a opinar sobre outras áreas. Ou seja, julgamos uma afirmação com base em quem a fez. Se foi um prêmio Nobel, tendemos a lhe dar crédito porque a pessoa já esteve certa antes. Se for um charlatão, não acreditamos em nada do que disser.

Ou seja, embora desempenho anterior e conhecimento do assunto seja um critério útil, é perigoso porque pode nos levar a aceitar um erro porque é defendido por um expert (falso positivo) ou rejeitar um acerto porque é defendido por alguém que não respeitamos (falso negativo). Como evitar tais erros? Examinando as evidências.

4.6. Ou isto ou aquilo: Também conhecida como a falácia da negação ou do falso dilema, é a tendência de ver o mundo dividido em opostos, de tal modo que, se provamos que uma coisa está errada, o certo só pode ser o oposto. Esta é uma das táticas favoritas dos criacionistas, que argumentam que a vida, ou foi criada por Deus ou evoluiu. Em seguida, passam resto da vida tentando desacreditar a teoria da evolução de modo a poder dizer que, se a evolução não existiu, então o criacionismo está certo.

Mas não basta apontar falhas nos argumentos dos outros. Se a sua teoria for realmente superior, deverá explicar tanto o que a outra hipótese explica quanto o que ela não consegue explicar. Uma teoria é provada por argumentos em favor dela, não contra a teoria oposta. Uma variação desta é conhecida como "curto prazo x longo prazo". Exemplo: "Não temos verbas para creches e escolas para criança pobres porque temos que combater a violência urbana", ou seja, elimina-se o meio-termo.

4.7. Raciocínio circular: Também conhecida como a falácia da redundância ou tautologia. Ocorre quando a conclusão é apenas um outro modo de expressar uma das premissas. Teologias estão cheias de tautologias. "Existe um deus? Sim. Como você sabe? Porque está na Bíblia. Como você sabe que a Bíblia está correta? Porque foi inspirada por Deus". Em outras palavras, Deus existe porque Deus existe. A ciência também cai nesta armadilha. "O que é a gravidade? É a tendência de os objetos serem atraídos um pelo outro. Por que os objetos são atraídos um pelo outro? Devido à gravidade". Uma tautologia pode ter sua utilidade mas, por mais difícil que seja, temos que criar definições que possam ser testadas, falsificadas e refutadas.

4.8. Reductio ad Absurdum e a rampa escorregadia: Reductio ad absurdum é refutar um argumento levando-o às suas últimas consequências e assim fazendo-o chegar a alguma conclusão absurda. A conclusão é a de que, se o argumento leva a um absurdo, ele é falso. Isto nem sempre acontece, embora levar um argumento a seus limites possa ser útil para se descobrir se uma afirmação é válida, principalmente se o teste puder ser feito na prática.

Da mesma forma, a rampa escorregadia envolve criar um cenário em que uma coisa acaba levando a consequências tão extremas que seria melhor não se fazer a coisa. Exemplo: "comer sorvete vai lhe fazer engordar. Aos poucos, vai ficar enorme. Logo chegará a 150kg e morrerá do coração. Logo, é melhor não comer sorvete para não morrer". Ou seja, levando-se uma coisa ao extremo pode-se chegar a resultados desastrosos ou absurdos. Mas as coisas não têm necessariamente que ser levadas ao extremo.

4.9. Equivocação: A equivocação ocorre quando uma palavra é usada em mais de um sentido durante a argumentação. Por exemplo: "Só o homem é racional. A mulher não é homem. Logo, a mulher não é racional". O problema aqui é que "homem" está sendo usado tanto no sentido de "ser humano" quanto no de "macho humano". A mulher é a fêmea humana e, portanto, também um ser humano.

4.10. Composição: A composição é considerar que todo o argumento é válido quando uma parte dele é válida. Exemplo: "partículas subatômicas não têm vida, portanto tudo o que é feito delas também não tem vida". Quando partes se combinam em um todo, o resultado pode ser maior que a simples soma das partes ou ter propriedades novas (as "propriedades emergentes"). Relaciona-se à "generalização apressada".

4.11. Divisão: É o oposto da composição. Atribui aos membros de um conjunto as propriedades do conjunto. Só porque estamos vivos não significa que as partículas que nos constituem estão vivas.

4.12. Falácia genética: É uma variante da "ad hominem". Rejeita uma ideia devido ao modo como surgiu. Por exemplo, o químico August Kekulé descobriu a estrutura do benzeno quando lhe pareceu ver nas chamas a imagem de uma serpente mordendo o seu próprio rabo. A validade de uma ideia independe de ela ter surgido de um delírio ou recorrendo-se a uma cartomante.

4.13. Apelo às massas: "Deve ser verdade porque todo mundo acredita nisto". Qualquer mãe tem uma resposta para esta falácia: "se todos pulassem num abismo, você também pularia?". Quase todos acreditavam que a Terra era plana. Estavam enganados.

4.14. Apelo à tradição: Só porque uma coisa vem sendo feita há muito tempo não significa que seja a coisa certa. A escravidão foi uma tradição por milhares de anos, mas hoje não é mais aceita.

4.15. Apelo ao medo: Consiste em usar ameaças para reforçar a argumentação. Exemplo: "Se esta pessoa não for condenada, cometerá novos crimes". O que a pessoa pode vir a fazer no futuro não prova que ela é culpada agora. É uma possibilidade, não uma certeza. Ou: "Se você não acreditar em Deus, irá para o inferno". Esta afirmação não serve como prova de que Deus existe, é apenas uma ameaça (e requer, ela própria, uma prova).

4.16. Relativização e contexto: pode-se tentar diminuir a força de uma evidência incômoda afirmando que ela não é importante em relação ao contexto ou que ela depende do contexto. Por exemplo, "A Inquisição não passou de alguns poucos casos isolados, que a maioria da Igreja não aprovou" ou "As atrocidades descritas no Antigo Testamento se justificam no contexto em que ocorreram".

4.17. Alegação especial: Em inglês, diz-se "special pleading". Uma tentativa de fugir de uma questão difícil por meio de uma alegação que pretende explicar toda a questão com uma só frase sem realmente abordar o assunto. Quando instados a explicar por que Deus permite que os inocentes sofram e o mal triunfe, os crentes dizem "Os desígnios de Deus são incompreensíveis" ou "Não nos cabe questionar a vontade de Deus".

4.18. Indução à conclusão: A afirmação contém uma conclusão que não está provada: "Temos que instituir a pena de morte para reduzir a criminalidade" ou "A Bolsa caiu porque houve muitas vendas para realizar lucros". Nos dois casos, as relações de causa e efeito são afirmadas mas não provadas. Em inglês, diz-se "begging the question".

4.19. Falácia do espantalho: Cria-se uma caricatura do assunto ou da pessoa para que fique mais fácil atacá-la. Exemplo: "Ambientalistas se preocupam mais com um matagal ou uma coruja do que com as pessoas".                                                                                                                                             
4.20. Plurium interrogationum: "Múltiplas perguntas" ou "pergunta complexa" é quando uma pergunta inclui afirmações não comprovadas que, na verdade, deveriam ser apresentadas também como perguntas. O objetivo é criar uma armadilha para o interlocutor. Por exemplo: "Você continua batendo na sua mulher?" traz o pressuposto de que a pessoa costuma bater na mulher.
4.21. Cortina de fumaça: o debatedor disfarça sua falta de argumentos despejando irrelevâncias. Por exemplo: se ele não tem como explicar um trecho embaraçoso da Bíblia, exibe seu grande conhecimento sobre montanhas, rios, cidades, fatos históricos, curiosidades culturais e outros detalhes sobre a Palestina. Tudo verdade, mas não refuta o questionamento apresentado. Costuma funcionar com gente que o vê como autoridade no assunto e vai assumir que a resposta foi satisfatória, sem nem ler aquele texto enorme.                                                                                                                                               4.22. Agressividade: além de intimidar o interlocutor com ironias e sarcasmos, procura humilhá-lo despejando erudição ao citar autoridades como historiadores e filósofos, inclusive com trechos em latim ou em outras línguas, para deixar clara sua superioridade intelectual. O interlocutor pode até ter conhecimento suficiente para perceber que seus argumentos não foram refutados, mas abandona o debate para não se aborrecer mais, dando a impressão de que admitiu sua derrota.
5. Problemas psicológicos:

5.1. Lei do menor esforço e a necessidade de certeza, controle e simplicidade: A maioria de nós, na maior parte do tempo, quer controlar seu ambiente e quer explicações simples e elegantes. A nossa sociedade, entretanto, é complexa e tem problemas complexos. Esta tendência leva a se supersimplificar a realidade e pode interferir com o pensamento crítico e a capacidade de se resolverem problemas. Por exemplo, acho que a crença em paranormalidade e pseudociências é em parte devido às incertezas da vida. De acordo com James Randi, depois que o comunismo, com suas certezas, entrou em colapso, tais crenças aumentaram muito.

Há muitos charlatões mas também há muita gente que realmente acha que descobriu alguma coisa concreta e significativa sobre a natureza do mundo. O capitalismo é mais livre - mas também oferece menos certezas que o comunismo. Isto leva a mente a procurar por explicações para os mistérios da vida e ela acaba se voltando para o sobrenatural e o paranormal. O pensamento científico não é uma habilidade natural. Tem que ser adquirido pelo treinamento, com esforço e experiência, assim como não podemos esperar ser bons carpinteiros ou pianistas sem aprendizado e esforço.

Temos que lutar para controlar nossa tendência a ter certeza das coisas e de nos julgarmos no controle absoluto e nossa tendência a procurar sempre a solução mais simples para um problema e que requeira o menor esforço. Às vezes elas são simples mas em geral não.

5.2. Modos inadequados de resolver problemas: O pensamento crítico e científico é, de certa forma, a resolução de problemas. Mas há muitos problemas psicológicos que interferem com isto. O psicólogo Barry Singer demonstrou que, quando pessoas recebem a tarefa de selecionar a resposta certa para um problema baseados em uma lista de afirmações classificadas como "certo" ou "errado", elas:

A. Imediatamente criam uma hipótese e procuram apenas pelos exemplos que a confirmam.

B. Não procuram nenhuma evidência em contrário.

C. Custam a mudar de ideia mesmo quando ela está obviamente errada.

D. Se a informação é complicada demais, adotam supersimplificações como hipótese ou estratégia.

E. Se não há uma solução, se a questão na verdade é um truque e os conceitos de "certo" e "errado" foram atribuídos ao acaso, formam hipóteses baseadas nas coincidências observadas e sempre acham alguma causalidade (Singer e Abell, 1981). Se os seres humanos são assim em geral, então temos que nos esforçar para superar estas limitações na resolução de problemas da ciência e da vida.

5.3. Imunidade ideológica ou o Problema de Planck: Na vida diária como na ciência, resistimos às mudanças de conceitos básicos. O cientista social Jay Stuart Snelson chama a esta resistência "sistema imunológico ideológico". "Adultos educados, inteligentes e bem-sucedidos raramente mudam seus pressupostos mais básicos". De acordo com Snelson, quanto mais conhecimento os indivíduos acumulam e quanto mais bem fundadas suas teorias se tornaram (lembrem-se, tendemos a procurar por confirmações, não provas em contrário; e são estas que nós lembramos), maior a confiança em suas ideias.

A consequência disto, entretanto, é que desenvolvemos uma "imunidade" contra ideias novas que não confirmam as antigas. Os historiadores da ciência chamam a isto "o problema de Planck" devido ao físico Max Planck, que fez este comentário sobre o que deve ocorrer para que a ciência sofra inovações: "uma inovação científica importante raramente se estabelece por meio do convencimento gradual de seus oponentes. Raramente Saulo se torna Paulo. O que acontece é que os opositores vão aos poucos morrendo e a nova geração já cresce acostumada com a ideia" (1936).

O psicólogo David Perkins realizou um estudo em que ele achou fortes evidências de que há uma relação entre a inteligência (medida por testes de QI padrões) e a tendência a se adotar um ponto de vista e defendê-lo. Também encontrou uma forte correlação negativa entre a inteligência e a capacidade de se considerar outras alternativas. Ou seja, quanto mais alto o QI, maior o potencial de imunidade ideológica. A imunidade ideológica está incorporada ao edifício da ciência e funciona como um filtro contra novidades potencialmente avassaladoras.

O historiador da ciência I. B. Cohen comentou: "Sistemas científicos novos e revolucionários tendem mais a sofrer resistência do que ser recebidos de braços abertos porque cada cientista bem-sucedido oculta interesses intelectuais, sociais e financeiros em manter o status quo. Se todas as ideias revolucionárias fossem recebidas de braços abertos, haveria o caos completo" (1985). A verdade é que a história recompensa aqueles que estão "certos" (ainda que provisoriamente).

Mas as mudanças acontecem. Na astronomia, o geocentrismo de Ptolomeu foi substituído pelo heliocentrismo de Copérnico. Na geologia, o catastrofismo de George Cuvier foi gradualmente expulso pelo uniformitarianismo, mais bem fundado, de James Hutton e Charles Lyell. Na biologia, o evolucionismo de Darwin se sobrepôs à crença criacionista na imutabilidade das espécies. A teoria do deslocamento continental de Alfred Wegener levou quase meio século para superar o dogma dos continentes fixos e estáveis.

A imunidade ideológica na ciência pode ser vencida, mas requer tempo e evidências.

6. O dito de Espinoza: Os céticos têm a tendência muito humana de gostar de desacreditar aquilo que eles acham que é besteira. É divertido identificar as falácias no pensamento dos outros, mas a questão não é só esta. Como céticos e pensadores críticos, temos que ir além de nossas reações emocionais porque, ao entender como os outros erraram e como a ciência está sujeita ao controle social e às influências culturais, podemos melhorar nossa compreensão de como o mundo funciona.

É por este motivo que é tão importante para nós entender a história tanto da ciência como da pseudociência. Se tivermos uma visão geral de como estes movimentos evoluem e entendermos como foi que as ideias erradas surgiram, não cometeremos os mesmos erros. O filósofo holandês Baruch Espinoza, do século 17, disse-o melhor: "Eu fiz um esforço constante para não ridicularizar, não deplorar e não desprezar as atividades humanas, mas para entendê-las"

(adaptado de "How Thinking Goes Wrong-Twenty-five Fallacies That Lead Us to Believe Weird Things", por Michael Shermer; do livro "Why People Believe Weird Things" - 1977; de "Informal Fallacies", por Theodore Schick, Jr. & Lewis Vaughn; do livro "How To Think About Weird Things" - 1995; de "The Basic Equipment",  por Antony Flew e do livro "How to Think Straight: An Introduction To Critical Reasoning" - 1998)


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