sexta-feira, 24 de junho de 2005

Como debater com crentes?

O que fazer quando um teísta que não conhecemos nos enviar um email?

por Richard Carrier

Um guia básico

1) Responda sempre.

2) Se a mensagem for agressiva ou indecente, informe isto de forma resumida mas educada, e também que você não está interessado em conversar com uma pessoa tão grosseira ou imoral, senão você o denunciará ao provedor dele.

3) Se a mensagem for educada mas não fizer perguntas (ou seja, traz apenas afirmações, avisos, orações etc.), informe sucintamente e de forma educada porque você discorda ou diga que você já está satisfeito de ser o que é. Agradeça e encerre a conversa.

4) Se a mensagem for educada e também fizer uma pergunta, responda. Sua resposta deve ser sempre educada e sempre sem se desviar do assunto. Se houver várias perguntas, talvez o melhor a fazer é responder à que lhe pareça mais importante.
Não se esqueça de reler sua resposta antes de enviá-la, tendo em mente que você está representando a todos os ateus e livre-pensadores.
Ao reler, talvez você note que está sendo muito parcial, desonesto, grosseiro ou se julgando superior, ou com certezas demais (não se esqueça de que é sempre bom deixar um espaço para as dúvidas), ou qualquer outra coisa que transmita uma imagem negativa de nossa comunidade ou seja injusta para com outros livre-pensadores que discordam de nós. Reescreva o que for preciso.

5) Se você não tem tempo para responder, informe a ele. Sugira sites ou fóruns onde ele possa encontrar respostas e talvez gente que tenha tempo para conversar.

-Por que não simplesmente ignorá-los?

Eu pensava assim, também, até que comecei a entender melhor as outras pessoas. Você tem que ver a coisa como uma diferença psicológica, não como grosseria. Eu não vejo a "intromissão" deles como mal educada, mas como curiosidade ou uma busca de respostas, às vezes desesperada. Afinal de contas, se eu estivesse muito preocupado com um assunto ou muito curioso, e não tivesse outra opção, eu faria a mesma coisa.

É claro que eu conheço opções melhores, mas é de se esperar que muitos cristãos não estejam habituados a procurar respostas por si mesmos - se estivessem, muitos deles talvez não fossem mais cristãos. Se você não tiver tempo, mesmo assim mande uma resposta, informando educadamente que está sem tempo e indicando outras fontes de consulta na Internet, mas não seja rude. Isto só piora a imagem negativa que eles têm dos ateus e confirma o que eles já esperavam, causando ainda mais estrago. E você provavelmente não se sentirá bem por fazer isto com eles.

Podemos fazer muito para criar uma imagem positiva para os ateus, e isto começa quando melhoramos, cada um, a nossa própria imagem. É por isto que devemos, sempre, responder. Não responder permite que eles pensem o que quiserem. Não os estimulamos a pensar diferente. E, se estimularmos muitos deles a pensar diferente, mudanças significativas podem ocorrer. Eu sei que é possível, já vi acontecer. Cada um de nós é apenas um detalhe de um quadro maior, mas o quadro só vai se tornar mais positivo se cada um de nós fizer sua parte.

-Mas nós não invadimos a privacidade dos outros para ajudá-los a "enxergar a verdade"!

Não, mas isto não importa. Nós podemos pensar que somos melhores que eles em aspectos como educação, moralidade e bom senso (e às vezes até em bem estar espiritual), mas não precisamos ser arrogantes ou nos julgarmos superiores. Também não devemos cometer o erro que a comunidade científica lamenta até hoje: achar que se os ignorarmos, já que eles "não merecem" uma resposta, eles irão embora. O que ocorre é o oposto. O criacionismo científico conseguiu tantos seguidores justamente porque os cientistas não se "dignaram" a debater com eles, ou seja, deixaram que eles vencessem por WO. Não cometa o mesmo erro.
Tente usar psicologia: conforme eles mesmos dizem, eles talvez estejam "em busca da verdade", em de serem "crentes", mesmo se não é esta a primeira impressão que temos. Ou talvez, no fundo, tenham dúvidas, mas não admitem isto nem para eles mesmos e saem por aí proclamando certezas. Ou, quem sabe, ainda não tenham dúvidas, mas se, ao contrário do que eles esperavam, nossas respostas não forem agressivas nem os ignorarmos covardemente, eles poderão ficar com uma idéia diferente de nós, uma impressão positiva que fará diferença no futuro. Não conseguiremos fazer com que mudem de idéia a nosso respeito se formos grosseiros, se os ignorarmos ou se os agredirmos.
Pelo contrário, temos que ser mais educados que eles - e pessoas educadas sempre respondem, mesmo que só para informar, educadamente, que não têm tempo para conversar.

-Mas isto não vai servir para encorajá-los?

Ótimo! Quanto mais cristãos começarem a conversar com ateus, melhor o mundo vai ficar. Para cada cem deles que começam a engrossar e não levam a nada, obrigando-nos a terminar a conversa, um vai mudar de ponto de vista. Acredite, isto tem um grande valor - não só para nós como também para eles. Já ouvi isto várias vezes de gente que acabou adotando o ateísmo e de cristãos que permaneceram cristãos mas deixaram de detestar os ateus.

Procure responder com honestidade e genuíno interesse, não raiva e desprezo, a cada pergunta que lhe enviarem.


Adendo: debatendo online

Muitos livre-pensadores debatem em fóruns na Internet e acabam encontrando cristãos que defendem sua fé cegamente e se ofendem com qualquer coisa. Não é o caso de abandonar o fórum por causa deles, já que é um lugar público e destinado justamente ao debate de assuntos polêmicos. O que fazer, então? Muitos livre-pensadores não gostam de ofender aos outros e se perguntam até onde podem ir com essas pessoas, ou mesmo se deveriam tentar.

Venho passando por situações assim nos últimos 11 anos (estou escrevendo em 1999). Participo de debates em BBSs desde os modems de 300 bauds, antes de existirem email e WWW. Passei por outras redes, pela AOL, pela Usenet etc. e hoje sou editor da Secular Web. O que eu posso dizer, com base em minha experiência, é que cada caso é um caso, mas há algumas dicas que podem se aplicar a todos os casos:

* [1.]Algumas pessoas são loucas. Depois de algum tempo de contacto você perceberá isto. Às vezes eles dão sinais assustadores e fantásticos de que não enxergam a realidade como nós, ou se esquecem de coisas importantes que disseram antes (e negam que disseram, mesmo diante da evidência), ou repetem mantras sem parar, como um disco rachado, ignorando suas perguntas e refutações, ou fazem ameaças de agressão física ou anunciam coisas incompreensíveis, mostrando que não entendem que estão se comunicando pela Internet. Há outros sinais, como o uso constante de palavreado religioso bizarro, mas acho que já deu para entender.

* Não dá para discutir com gente assim. Eles precisam de ajuda profissional, mas aceite o fato de que eles nunca vão recebê-la. Religião é um tipo de loucura socialmente aceita, e nossa cultura rejeita a idéia de que uma pessoa muito religiosa possa, na verdade, estar louca. Nem os amigos, nem a família, nem seu pastor vão achar que eles estão malucos, apenas muito dedicados à fé. Não perca tempo conversando com essa gente. Se possível, ignore-os, mas, se não puder escapar, copie e cole trechos de mensagens anteriores que você vê como sinais de insanidade perigosa (veja meus exemplos acima) e diga a eles, na lata, que tais frases o incomodam e o deixam preocupado com a sanidade mental e a felicidade deles. Diga que você não está em condições de ajudá-los e que eles deveriam procurar um psicólogo. Eles vão ignorar seus conselhos, mas você terá feito a sua parte. Se eles insistirem, mande sempre o mesmo email como resposta. Mais cedo ou mais tarde, eles desistirão. Eles vão acabar se assustando com sua insistência de que eles não estão bem e vão parar de contactá-lo, como uma forma de escapar da verdade.

* [2.] Outras pessoas mentem. Elas gostam de entrar em brigas e usam todo o tipo de manipulação emocional para vencer. Nada, ou quase nada, do que eles dizem é sincero, mas você não tem como saber, a menos que eles deixem algum furo ou contradição que indique que eles são um "troll". "Trolls" costumam encher a Internet com mensagens provocadoras só para começar brigas.

* Em geral, "trolls" devem ser tratados inicialmente de acordo com [1.] ou [3.], até você ter certeza de que são mesmo "trolls". O primeiro passo para lidar com eles é enviar uma mensagem particular mostrando as evidências. Pode ser difícil identificar um "troll". Por exemplo, certa vez eu percebei que dois endereços de email correspondiam à mesma pessoa, fingindo ser duas. Não foi fácil chegar a esta conclusão. Tive que examinar os posts dessas duas pessoas em vários debates em fóruns, alguns deles encontrados por simples sorte. Mas já vi isto acontecer várias vezes. Outras pistas para se identificar um "troll" também são obscuras e nem sempre óbvias, mas você pode achá-las se ficar atento. E não se preocupe se vai ofendê-los. É assim que eles se "divertem". Depois de identificá-los, não os leve mais a sério, apenas os ignore.

* [3.] Algumas pessoas estão realmente assustadas. O seu medo se revela de várias maneiras. Uma delas é ter medo do futuro do mundo - eles vêem você como um demônio, com idéias tão monstruosas e incompreensíveis que elas não sabem o que fazer, daí suas reações desesperadas. Outra possibilidade é que elas têm medo que o mundo delas desabe. Aquelas dúvidas secretas, aqueles pecados, que as fazem sentir tanta culpa e que elas tentaram esconder, voltam a perseguí-las e elas tentam escapar ao tormento tornando-se virtuosas defensoras da fé. Para estes e outros medos, o tratamento é o mesmo.

* Este tipo de crente assustado deve ser tratado com muita educação, com respostas claras e sempre pedindo que a pessoa informe o que eles não entenderam dos seus argumentos, de forma a que você possa mostrar a eles o que levou você a chegar a tais conclusões. Com a mesma educação e sinceridade, informe a eles o que você não entendeu da argumentação deles. Se você mostrar simpatia e genuíno interesse em entendê-los (e não apenas ganhar a discussão ou desconvertê-los), em vez de ter medo acabarão confusos e, mais tarde, indecisos (ou talvez concordem com algumas coisas). Isto é melhor que medo. Embora seja muito raro, pode ser que se desconvertam (já consegui isto antes), mas este não deve ser seu objetivo, e sim que entendam seus pontos de vista, mesmo sem adotá-los. Este objetivo é bem mais realista.

* Procure sempre aprofundar os assuntos. Se a coisa começou com, por exemplo, "Gostaria de entender seu ponto de vista sobre o aborto", concentre-se em alguma parte da resposta deles que você realmente não entendeu. Peça para explicarem melhor, concentre-se na resposta deles e assim por diante. Isto aos poucos o levará ao fundo de algum assunto e também o afastará do assunto principal, portanto, quando chegar ao fundo, volte ao raciocínio inicial, talvez para começar de novo em outra direção. Se você se mantiver educado e interessado no assunto, parecerá menos ameaçador a eles, mesmo se seus pontos de vista, por alguma razão, os assustarem.

* Entretanto, seja honesto. Admita que sua intenção é desconvertê-los, embora você não espere conseguir nada, e que você gostaria, pelo menos, que eles entendessem melhor sua posição. Procure sempre reler suas mensagens antes de enviá-las, reescrevendo o que estiver agressivo ou arrogante. Se possível, peça a alguém para ler também. Sempre ajuda usar expressões como "parece-me que", "na minha opinião", em lugar de "o fato é que...", pelo menos quando aplicável. Deixar claro o que é apenas opinião sua faz parte de ser honesto.

De qualquer forma, lembre-se de onde você está: você está num debate público, e você pode continuar debatendo enquanto quiser. Não deixe que o medo de ofender ou magoar alguém o impeça de fazer o que lhe parece importante e que você tem o direito de fazer, num lugar criado justamente para se fazer isto. As pessoas amadurecem enfrentando conflitos e dores. Aprendizado e aperfeiçoamento muitas vezes envolvem dores. As histórias de fanáticos que se tornaram livres-pensadores quase sempre mencionam um período de sofrimento, miséria e confusão em sua transição de uma crença para outra.. Aliás, o mesmo pode acontecer a quem se converte na direção oposta.

Portanto, causar dor não é necessariamente uma coisa ruim, mas só se o objetivo for bom e a dor for temporária e você não estiver invadindo a liberdade ou privacidade da outra pessoa. Se eles realmente não suportarem o incômodo, provavelmente vão abandonar o debate bem antes de que algum dano permanente lhes ocorra. Não importa quão magoados eles pareçam, eles não continuariam a conversa se doesse demais, a menos que fossem loucos. E, se forem loucos, corte o papo e recomende a eles que procurem ajuda profissional.

Acima de tudo, lembre-se de que, nos fóruns que você frequenta regularmente, você se torna um embaixador dos livres-pensadores. O que você fizer se refletirá em todos nós, mas, principalmente, nos seus próprios ideais e na sua visão de moralidade. Não se esqueça disto.

Última atualização: 31 de agosto de 2002

Richard Cevantis Carrier

rcarrier@infidels.org
http://www.columbia.edu/~rcc20