domingo, 11 de junho de 2023

Os papas e a sucessão apostólica - de Pedro até hoje

Segundo a Igreja Católica, o apóstolo Pedro foi o primeiro papa, nomeado por Jesus em pessoa, e depois veio uma sucessão ininterrupta de papas até os dias de hoje:
Pedro - Lino - Anacleto - Clemente I - etc. (sendo que cada um dos outros onze apóstolos também teve um sucessor, com a função de bispo).

É até possível que estas pessoas tenham existido, mas as primeiras não foram papas e a lista é questionável por várias razões:

1 - Os evangelhos não são um documento histórico confiável. Pode ter havido um mestre ou rabino, possivelmente chamado Jesus, que fundou uma seita e teve um Pedro entre seus seguidores, mas não há evidências de que as coisas tenham acontecido segundo eles relatam, mesmo porque Jesus e seus discípulos eram judeus e sua religião era uma seita judaica. Foram os "Paulos" que adaptaram a doutrina ao gosto dos gentios e expulsaram os judeus.

2 - Não há registros confiáveis dos primeiros tempos da Igreja. Ela só começou a existir como instituição bem mais tarde, sendo mencionada apenas a partir do evangelho de João, enquanto que Mateus, Marcos e Lucas, mais antigos, só pregam o respeito à doutrina deixada por Jesus, sem mencionar uma autoridade central.

3 - No início, a doutrina era livremente debatida pelos cristãos das várias comunidades espalhadas pelo mundo da época. Havia, em cada uma, pessoas mais respeitadas por sua idade, dons da profecia, da cura, "falar em línguas" ou conhecimentos, mas não uma hierarquia de poder que impusesse dogmas aos demais. A primeira autoridade foram os presbíteros, nomeados entre os anciãos. Sua influência era apenas local e, inicialmente, apenas administrativa, ficando a doutrina a cargo dos "tocados pela graça". Com o tempo, assumiram também funções religiosas.

O crescimento das comunidades, constituídas em geral por gente humilde e analfabeta, ou mesmo escravos, levou-as a contratarem supervisores letrados e de nível social mais elevado para administrar seus bens. Foi a palavra grega para "supervisor" (episkopos) que deu origem a "episcopum" em latim e, finalmente, a "bispo". Os bispos, inicialmente, tinham pouca autoridade, tendo sido preciso que as epístolas recomendassem que o mesmo respeito lhes fosse dado que aos presbíteros e profetas.

Mais tarde, sua influência cresceu, entre outros motivos porque controlavam o dinheiro e os bens das comunidades, e surgiram discussões sobre quem mandava mais, presbíteros ou bispos. Os bispos começaram a se meter em assuntos de dogmas e heresias, mas comentários irônicos de escritores da época mostram que ainda não eram levados a sério.

Acabaram tornando-se o topo da hierarquia, a ponto de se dizer que os fiéis deviam uma obediência completa aos bispos e que Jesus era o "bispo do mundo".

Ou seja, no cristianismo primitivo, não se falava em "igreja" e nem havia uma doutrina centralizada. Um século depois, os bispos tinham se tornado a Igreja, institucionalizada e dona da verdade, e os fiéis, apenas a periferia.

Eles conseguiram se impor e tornaram-se a autoridade máxima de cada região. Não havia ainda um poder central. Tertuliano criticou um bispo que pretendeu interferir em comunidades da Gália, por exemplo, perguntando-lhe se ele pretendia ser o "bispo dos bispos". O bispo de Roma só conseguiu algum respeito quando recebeu o apoio do imperador Constantino, no século IV. Na verdade, até hoje a fragmentação permanece, sendo um exemplo claro as várias igrejas ortodoxas, além da etíope, armênia, copta, indiana e outras.


4 - Segundo a Bíblia, Jesus deu a Pedro o poder de decidir sobre a doutrina, mas nada disse sobre sucessores (mesmo porque o fim estava próximo e ele voltaria em breve). A Igreja Católica decretou que esse poder foi transmitido aos papas, que seriam os sucessores de Pedro, mas os protestantes não concordam. E, na verdade, temos aí uma falácia (argumentação circular): "O papa tem poder porque está na Bíblia. A Bíblia está certa porque o papa assim determinou".

5 - Além da origem obscura, a sucessão dos papas não tem nada de ininterrupta. Houve períodos de "sede vacante" e épocas em que dois e até três papas, apoiados por facções rivais, disputavam o trono declarando-se, cada um, o papa legítimo. Mesmo hoje, há seitas tradicionalistas, surgidas em oposição ao Concílio Vaticano II, que não aceitam nenhum papa depois de Paulo VI.

Em resumo, uma gigantesca estrutura hierárquica, que se considera infalível e autorizada a definir os dogmas cristãos, mas apoiada sobre nada. Sobre um vazio.